on the road

hoje faziam na cidade mais de
quarenta graus, quarenta graus
de inferno neste porto onde chove
o ano inteiro, as ruas tóxicas
incêndios invisíveis a permanente  
memória de coisas antigas
queimadas à superfície dos olhos, 
tudo sem chama que se veja, 
o suar imóvel a tortura dos corpos
inchados transportes públicos a chiar
de raiva quebras de tensão depois de almoço
cigarros a meio pela escassez de oxigénio, tu que te foste
vão vinte e oito dias em combustão, 
estúpidos como adolescentes e borbulhas
que crescem sempre mais feios
no dia seguinte. estes dias  
em que por cá fiquei ou nem isso, fui ficando, 
abandonada à ideia de mim mesma abandonando-te, 
tu chegares agora, com aviso mas sem que contasse, 
fresco sólido tocado pelo sol
"i'm already on the road, hun" 
e aqui eu, pálida-menina-de-escritório, (como se faz  
para parecer feliz de repente?) 
tenho esta vergonha de avisar que o incêndio  
vem comendo as entranhas da cidade, do meu cheiro
a cansaço, disto de não saber como te chamar
e por isso falar de ti  
menos & menos, 
isto: 
não saber se abraço beijo se ambos
querer de ti tudo  
se ficares, não querer nada  
quando abalares, isto não era
para ser assim nós não íamos ser
esta coisa intangível este plástico  
a queimar devagar as paredes, 
a cinzentidão da manhã que hoje asfixia a cidade
um fogo demente que
ninguém vê ou extingue, terei de explicar melhor, 
eu só quero que volte a chover o ano inteiro, 
que se foda o sol a primavera essa coisa dos dias felizes, 
you say: "i'm already on the road, hun" 
but i? 
i didn't sign up for this.