Sete poemas

1. Ausência

A tua ausência arrefece
lentamente
o meu corpo.
Caminho sem chão.
Não sei como funciona
esta armadura.
Já não me pertence.

Desaprendi a ser
pela tua presença,
e a agonia invade,
por me saber
tão sem mim.

Mal consegues esconder
o andar desequilibrado.
E a alegria acanha-se
nos teus lábios.

Teria sido igual
se me tivesses deixado mais cedo.
Eu não seria mais.
E sou,
agora,
certamente menos.

 

 

2. 

O sorriso dos mortos
estende-se
em linhas finas sobre os rostos pálidos
prometendo descanso eterno.

(Abençoado anúncio do fim
que humaniza a existência)

Sorris porque sabes:
não sentirás mais
os tormentos
da solidão.

Entregaste
como a um velho amante
porque a vida
não quer mais o teu corpo gasto.

 

 

3. 

Em pequena descobri
que a alegria do mundo
se escondia
na banalidade dos milagres.
De coração aberto
absorvia os aromas
a brisa suave.

Mas as enxurradas
dilaceraram a alma nua
E o músculo palpitante
ficou pequeno e duro,
com pedras no espírito.

Voltar a amar as pequenas coisas
seria aceitar
que o mar bravo
traria à costa
mais do que conchas partidas.

 

4. 

Ensina-me a fazer Casa.
A pôr a mesa em ti,
para ti,
no olhar dos outros.

Não abraçarei qualquer sepultura fria
enquanto latejares na carne dos Homens.

Continuarei a procurar
o teu murmúrio
no vento que sopra.

 


5. 

Há uma praça no mundo
onde os vivos e os mortos
comungam.

À volta da mesa
parte-se o pão,
bebe-se vinho
e água da fonte.

Rufam tambores,
Soam as flautas
em harmoniosas melodias.

Celebram em festa,
a vida e a morte.

Quando a imensidão do mar
te imergir
não haverá mais
Tempo,
não haverá mais
Espaço.

Só uma praça
granítica
em comunhão,
enquanto os tambores
ao longe
silenciam o mundo
num último batimento.

 

6. 

Talvez porque não faça sentido
enlaçarmo-nos de outro modo.
Por dentro chega.

Tenho as entranhas enlaçadas,
Intrinsecamente minhas,
Teimosamente presas a ti.

Continuo inteira.
Talvez mais inteira.

Coubeste em mim
Bem, demais talvez.

O meu corpo não te estranhou,
Reconheceu-te.
Não sei bem de onde.

Começo a pensar que o coração de criança
Se afeiçoou a ti, teimosamente.

A culpa é dele.
Mesmo enrijecido,
Continuou a bater.

Reconheceu-te desses dias de orvalho.
E como elefante que não esquece,
Baralhou tudo,
Ligou-me por dentro.
E fora de mim, 
em carne,
continuou a bater
por ti.

 


7. Na ponta dos dedos

Sempre enrolaste cada cigarro
com a ponta dos dedos,
como quem ama
profundamente
o que mata.

Na tua insaciável fome de vida
devoraste a ponta dos dedos.

Imagino o fumo,
a cada travo,
a lambuzar-te as vísceras,
E pergunto
se também habito dentro de ti.

Também me amas
porque te mato aos poucos?

Preocupa-me este cordão umbilical
de sentimentos,
sem palavras,
que um dia nos uniu.
Irreal e etéreo.

Somos feitos de carne
e devoramos
as pontas dos dedos do mundo.
Mas quando as almas se cruzam,
o tempo suspende as marés.
Paira sobre nós uma canção de embalar
hipnótica.

Talvez porque quando te olho
uma criança pequena
no fundo do poço
sorri,
abraça-me.
E a minha alma reencontra
abrigo
na pureza da tua.