Dois Poemas de Dirceu Villa

cosmopolis

roma. sob os meus pés, amálgama. trajano
faz serpear a história; raízes envolvem os 
pés de estátuas, os deuses todos cegos e,
no rosto do busto de césar, os olhos sem

pálpebras de mussolini revivem. no panteão,
ciclópico, jeová penetra em forma de luz e
banha pessoas de bermudas floridas, celular
nas mãos, paciência; convicção alguma em

formas clássicas: museu; imergem no tevere
pedras de pontes, cores do casario, e o céu
se suja de vida e de séculos [ombros de atlas].
eterno repúdio aos não-cidadãos, a velha e

viva ordem eqüestre; talvez, assim, o soldado
limpe a longa espada enquanto rola a cabeça
da santa, em são clemente, masolino: soa a voz 
revolta de emma bonino, pálpebras apertadas.

***

terror sagrado

todas as palavras juntas em qualquer ordem imaginável
não reconstruirão o cosmos; a mão trêmula de abraão;
mitra ordena a suas estrelas desfazer o touro; um naco
de pedra vem inscrito dez vezes com raios, terror sagrado. 

membros da família rastejam buscando a carne do irmão;
com tanto sangue na boca o assassino sufoca após ter
matado a todos; o carro desgovernado pára somente em
pedaços contra o muro; o tirano cai fatiado nas entranhas 

por outro tirano; é um ruído que encontram atrás do muro,
é um sinal que se emite pelo cristal líquido, é a radiação
de encontro ao ouvido, um sussurro; são as ondas que
oferecem o inimigo sobre o altar, uma injeção no cérebro, 

o que faz gozar. as falas comprimidas em grunhidos de
parte a parte, criaturas se esgueiram revivendo das sombras
dos séculos; pedem sangue; pedem sanha; pedem surtos;
zeus esmaga raios com os dedos; os filhos, devora saturno.


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