Tadeusz Rożewicz, Trancinha

Tradução de Anna Kuśmierczyk e João Ferrão

Quando raparam
todas as mulheres no transporte
quatro trabalhadores com vassouras
feitas de tílias varreram
e reuniram os cabelos

Por baixo dos vidros lavados
deitam-se os cabelos rígidos dos sufocados
nas câmaras de gás
nesses cabelos há alfinetes
e pentes de ossos

Não os atravessa a luz
não os divide o vento
não lhes toca a palma da mão
ou a chuva ou os lábios

Em enormes arcas
nuvens de cabelos secos
dos sufocados
e uma trancinha cinzenta
um totó com uma fitinha
puxada na escola
por meninos traquinas

– Museu – Auschwitz – 1948

Tadeusz Rożewicz, Remover um peso

Tradução de Anna Kuśmierczyk e João Ferrão


Veio ter convosco
e disse

vocês não são responsáveis
nem pelo mundo nem pelo fim do mundo
tirou-vos um peso dos ombros
vocês são como pássaros e crianças
brinquem

e eles brincam

esquecem-se
que a poesia contemporânea
é uma luta por respirar

1959

Tadeusz Rożewicz, Como é bom

Tradução de Anna Kuśmierczyk e João Ferrão

Como é bom Posso colher
mirtilos na floresta
pensava
não há floresta nem mirtilos

Como é bom Posso deitar-me
à sombra da árvore
pensava as árvores
já não dão sombra. 

Como é bom Estou contigo
o meu coração bate tanto
pensava o homem
não tem coração 

Tadeusz Rożewicz, Penetração

a morte
penetra pela vida
como a luz
por uma teia
pendendo na porta
de um quarto aberto

o moribundo mudava de posição
gritando longamente procurando
uma fuga deitava-se

a morte comia os traços
de sucessivos rostos aplicados
no osso


Tadeusz Rożewicz (1921-2014) foi poeta e dramaturgo polaco. Nasceu em Radomsko, perto de Łódż, filho de uma judia convertida ao Catolicismo. Estudou em Cracóvia e no final dos anos 1940 mudou-se para Gliwice, seguindo mais tarde para Wrocław, onde morreu. Durante a Segunda Guerra Mundial foi soldado da Armia Krajowa (Exército Nacional), o mais importante movimento de resistência polaca. O seu irmão Janusz, também ele um promissor poeta e membro da AK, foi assassinado pela Gestapo em 1944.

A sua poesia é marcada pela experiência do Holocausto e pela responsabilidade de quem lhe sobreviveu. Face ao aforismo de Adorno de que não se pode escrever poesia após o Holocausto, Rożewicz procurou uma poética nova, longe dos artifícios retóricos até então comuns na Literatura Polaca. Os seus poemas caracterizam-se por versos curtos, quase como se fossem esqueletos de poemas, um vocabulário minimalista e a ausência de metáforas. 

Foi também um dramaturgo inovador e bem-sucedido, e as suas peças continuam a ser encenadas nos principais teatros polacos, principalmente Kartoteka (Ficheiro), publicada em 1960. Recebeu em 2007 o Prémio Europeu de Literatura pela sua obra, e foi várias vezes candidato ao Prémio Nobel.