João Moita
Fome
poesia

2.ª edição revista e aumentada:
abril de 2017, 94 pp.
prefácio de José Tolentino Mendonça

1.ª edição: junho de 2015, 74 pp.

Capa de João Alves Ferreira

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João Moita Nasceu em Alpiarça em 1984. Publicou O vento soprado como sangue (Cosmorama, 2009), Miasmas (Cosmorama, 2010) e Fome (Enfermaria 6, 2015). Traduziu uma antologia de Antonio Gamoneda, Oração Fria (Assírio & Alvim, 2013).

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Poucas vezes mais farei esta viagem. A erva cresce com o trigo, as flores despontam, as árvores segregam resina e dão sombra à terra ressequida. Os campos estão lavrados, o gado pasta ordeiramente, o rio segue amordaçado. Há pássaros invisíveis no horizonte e outros escondidos em ramos longínquos. Feras ocultas em recantos sombrios, a lentidão da seiva sob a descarnação do sol. O pó repousa nas covas abandonadas pelo vento ou soergue-se desamparado no topo das colinas, onde o tojo se inclina para os precipícios. Na povoação, desmoronam-se as pedras sob a cal, o sustento dos homens. Há frutos que se arredondam segundo geometrias bárbaras, apurando o gosto. E os insectos com a sua azáfama insone, divididos entre beleza e deslumbramento. E a areia dos caminhos, mais batida que o dorso de um cavalo, é a crina desta paisagem. Em breve deixarei de passar por aqui. Olho a íntima maturação dos campos e a solenidade dos estábulos. Vejo que tudo esteve sempre preparado.