Paris
Na grande cidade
que teme
o pequeno pardal?
Ostras e Sancerre
ao fim da tarde
na Place de Clichy.
Saber além
do que os olhos julgam
ver como Dali.
Estômago vazio
que fome
de silêncio.
Torre de Dona Chama
Morreu o gato
quem me acompanhará
no silêncio?
Que vazia a sombra
do marmeleiro –
morreu o gato.
Dura mais a dor
do que
muitas vidas.
Que grande pode ser
a ausência
de algo pequeno.
À sombra do marmeleiro
uma ausência
dormita.
Cantam grilos e pássaros
como se nunca
o inverno.
Embalado pelos grilos
e quilómetros de cansaço
adormecer sob a figueira.
Cantam ao desafio
o grilo
e o verde primaveril.
Sobre o verde radiante
fogo de artifício colorido –
Primavera.
Parece ensaiar a última
parte do Bolero de Ravel
a natureza.
No lago verde
resistem os peixes –
ano seco.
No mundo das flores
a maior estrela
é o grilo.
Traço um verso
em silêncio
e a videira cresce.
Partilhando o mesmo charco
peixes e rãs
temem o verão.
É Maio
e mal se vê
a Serra de Orelhão.
Neste coro primaveril
até o burro
participa.
Mal se mostram as rãs
aproveitando
a última frescura do poço.
Que dores de cabeça
prometem os primeiros
rebentos da videira?
Debaixo de um seixo
a casa de um grilo –
silêncio.
Depois de regar
as videiras
sento-me e escrevo.
Ao lado do gato enterrado
florescem
as rosas vermelhas.
De flor em flor
a abelha partilha
o amor alheio.
Sente-se o verde
subir ao nariz –
pôr-do-sol.
Vem-me mostrar
uma mão de ovos –
mãe.
Rãs e grilos
e o cantor principal
um melro.
Anoitece
o canto do melro
refresca o ar.
Apoiado na enxada
o velho coveiro
olha a rama das batatas.
O velho sacristão
rega a horta –
manhã de primavera.
Depois de regar
murcha
a glória-da-manhã.
Murcha a glória-da-manhã
mal acabo
de regar o orvalho.
Depois de regar a vinha
sento-me
e leio Bashô.
Nas papoilas ao sol
o sorriso vermelho
daquela loira.
No ervilhal
já poucas flores
restam.
À sombra das favas
uma rã
e uma papoila.
Aberto sobre a mesa
o livro do mestre
apanha sol.
Em São Gregório aos seis anos
o ervilhal
uma floresta encantada.
Regando as alfaces ouço meu pai:
“se não fosse o sol
era uma escuridão.”
Mais uma vez cago
ao toque
do sino.
Pôr-do-sol
no lagar romano
um toque de eternidade.
Flor de giesta
esteva e rosmarinho
o aroma do pôr-do-sol.
No cimo da fraga
acompanhado pelo silêncio
lembro o desejo.
Levanto-me da fraga
crepita o musgo seco
ou os meus joelhos?
Que procura na camomila
ao sol
o percevejo?
Salpicando o caminho
de amarelo
os sargaços.
Piquenique de há décadas
espalhado ainda
no bosque.
Brotam da rocha
estevas e carrascos –
pôr-do-sol.
Este vento de eternidade
dobra a esteva
e a rocha.
Na boca
como um primeiro beijo
o morango silvestre.
Sussurro o nome
Jim Morrison
uma rã começa a cantar.
Se não chover
o que será
destas vinte rãs?
Enquanto o galo canta
alguém
afia uma faca.
São Leonardo da Galafura
Onde o eterno
é um horizonte
que o olhar alcança.
Sobre a eternidade
da rocha
pousa uma borboleta.
Cidões
Enquanto na cabeça
escrevinho um haiku
um cuco canta.
Resta da noite apenas
a sombra fresca –
manhã de primavera.
Contorcionistas
do tempo
as cepas velhas.
Dragões hidras
e quimeras
na vinha velha do meu avô.
Como eu
uma esteva soprada
por vento alto.
Silenciosamente a figueira
julga a inércia
da carne.
Foz do Tua
Ondas esmeralda
rasgando
a eternidade granítica.
Abril/Maio 2022
João Bosco da Silva