João Moura: Alguns contos breves

Vidas

Era domingo. No dia a seguir de manhã seria sexta à tarde. 
Pôs o borboto de malha que lhe dava um ar oleoso-suicido-comunista. Mandou calar a mãe que lhe perguntou se podia falar. Bebeu o whisky com estrelitas do pai. Atirou a cinza do Gigante na direcção do outro filho do pai, ignorou o outro filho da mãe. Ligou à ex-namorada a dizer que já não a amava e que as iscas que fazia eram uma merda e que só as comia para exercitar os dentes obesos. 

Deu uma festinha ao hamster e trancou-o na braguilha. Saiu de casa, começou a andar. Era o rapaz mais sadio que alguma vez tinha andado por aquela aldeia. Considerado um prodígio por todos os recém-nascidos enfermos e iletrados. 
O dia estava feio. Até parar de chover esteve sempre a chover. Ele não era mais bonito e a maior tempestade estava naqueles cornos vazios e cheios de merda. 
Farto de levar a aldeia e o borboto às costas foi para a maior falésia que encontrou. 
Depois lembrou-se que havia tanto por fazer. A torneira do bidé que pingava sem parar. A tigela das estrelitas que não se lavava sozinha. O comando universal que tinha ficado de comprar no chinês porque o da meo tinha o botão do volume para cima para dentro. E pensou que não era ainda hora para aquilo. Havia muito por fazer ainda. Mas depois pôs esta música* a tocar. Voltou atrás e seguiu em frente. 

(*Deus - Right as Rain) 

Galã 

Ela apaixonou-se por ele. 

Com 2 anos e meio ele era um mês mais velho que ela. 
Ela admirava tudo nele. A destreza na pintura das paredes da escola, o umbigo já quase para dentro. O facto de já quase andar e de dizer coisas como uifhgewufhuew, aos berros mas ao ouvido. Acima de tudo estava orgulhosa por ter conquistado um homem mais velho.  
Ela babava-se por ele. Pelos dentes a romper também. Por tudo e por nada. 
Quando ele entrava meio a cambalear pela sala da sesta a seguir ao almoço na escola a fralda dela enchia-se de xixi. Andaram durante toda a creche. Quase deram o primeiro beijo se a auxiliar não tivesse pegado nele de repente para lhe tirar o cocó da fralda. 

O Carlos Gordo passava por ela despercebido. Era da sua idade. E no dia em que ela se começou a encantar pelo mais velho, ele ainda tentou atravessar-se-lhe de gatas no caminho. Claramente com uma overdose de Cerelac, não teve o discernimento certo e necessário para jogar na antecipação. E ela não gostava de homens preguiçosos, muito menos de homens com vícios. 

75 anos depois voltaram a encontrar-se. Não se reconheceram. Ambos homossexuais e completamente desinteressados um pelo outro. Ela continuava a babar-se. Ou já se babava outra vez. E não era por ele. Muito menos por causa dos dentes. 

 

Higiénico

Às vezes estou a olhar para um bolo de arroz a ser comido por um pombo, em cima de uma mesa de uma esplanada patrocinada com cadeiras e mesas Lipton Ice Tea e penso: 

‘A esta hora já é noite na Nova Zelândia.’ 

Depois penso em rugby. Logo a seguir penso em ombros deslocados. Depois penso no meu filho. Depois penso no judo, onde ele deslocou o ombro há pouco tempo. Depois penso no cabrão do puto que ainda hoje acredito ter-lhe feito aquilo de propósito. Depois penso que é melhor voltar para o psicólogo. Depois penso que é ele que me anda a fazer isto a mim, porque lhe dá jeito que não melhore e, melhor ainda, que fique pior. Eu que mal pensava e que quando penso logo desisto, hoje em dia penso quando vejo um bolo de arroz a ser comido por um pombo, em cima de uma mesa de uma esplanada patrocinada com cadeiras e mesas Lipton Ice tea. 

 
Chamamento
 

O padre Pedro e a freira Francisca vão em missão para o Gana. Lá distribuem amor, umas porções de arroz e massa e merchandising da sua paróquia, trazendo o coração cheio. No regresso, na zona de raio x no aeroporto mandam-nos parar. Perguntam-lhes o que foram fazer ao país e se têm alguma coisa a declarar. Notam alguma tensão, não percebem o que se passa. Mais oficiais do exército se juntam para observar no ecrã à transparência os soldados de Deus. Depois de alguns minutos são detidos. Perguntam-lhes se querem confessar alguma coisa. A freira Francisca admite ter uma placa de platina na testa por causa de uma mini, num arrufo de bêbeda num bar quando era mais nova. O padre Pedro pergunta ao oficial se não quer ele confessar-se. O oficial manda-o ajoelhar-se para lhe pôr as algemas. O padre Pedro manda-o ajoelhar -se para lhe dar a bênção. A coisa torna-se parva e ambos concordam que quem manda ali é o oficial e o padre Pedro aproveita para relaxar quando percebe que o oficial não quer aproveitar os seus serviços. 

Entra depois um oficial mais graduado, cheio de dioptrias nos olhos. Diz-lhes então que descobriram que traficavam borboletas no estômago. 

Depois do incidente e da descoberta que ambos negavam até então, chegados à paróquia despem a batina, desistem do papel de intermediários do senhor, declaram-se um ao outro, amam-se e vivem felizes para sempre. Graças a Deus. 

 

Famílias especiais #1

Nem a morte a vinha buscar, nem sequer os bichos lhe pegavam. Entravam e saíam. Até para eles aquilo era um gueto e não queriam apanhar uma doença porque tinham micróbios pequeninos para alimentar em casa. 
Não valia mesmo um charuto. No máximo uma cigarrilha e um ventil, respondiam ao seu pai os vendedores do mercado de tudo o que é merda. 

Na verdade o pai também não valia grande merda. Que pai é que tenta trocar a filha por um charuto? Nem Romeo y Julieta. 

Mas o pai tinha um primo afastado que era advogado e outro que vivia mais perto e que conhecia gente. Este último ajudou-o com tudo. Disse que conhecia um gajo que era bom nesses negócios. Conseguiu trocar a miúda por 4 polos da Lacoste. Entretanto ninguém disse que o gajo era cigano. Mas a cabeça associa de imediato vendas estranhas e polos da Lacoste a ciganos. E isso é feio. Mas adiante. 

Na despedida, apesar da família mais que merdosa que ambos compunham, pai e filha choraram. Até um dos crocodilos num dos polos estava a chorar. 

O pai num último acto desesperado de fuga ao remorso, pediu da seguinte forma à filha um lenço para limpar as lágrimas de crocodilo: 
- Doce, dás-me um Kleenex para tirar o sal que me cai dos olhos? 

Essa foi de imediato eleita por todos os especialistas como a frase mais merdosa do ano de merda em que foi proferida. Um life coach português contestou o resultado. 

E como isto não tem ponta por onde se lhe pegue nem conclusão possível acaba assim. 

‘O que é que se passa com o Moura?’ foi a frase mais ouvida nas semanas que se seguiram. 

 

Famílias especiais #2

Seguimos com o segundo episódio de famílias especiais: 

Uma coisa boa ela tinha. Quando deixava de gostar, deixava de gostar. Nunca amava o anterior, só o próximo. Mas tinha com o amor uma relação de amor-ódio. 
E a vida não lhe fazia um raccord de jeito. Um dia era sim. No outro sopas. No outro caldeirada da grossa. De um sentimento para outro não havia meios-termos. Cortes à bruta. Com o passado. Com ela própria. Nos pulsos. 

Mas depois tudo mudou. Passou a amar tudo e todos. E aí começaram a chamar-lhe de cabra. De puta. De rameira. Alguns de Carla, que era o nome dela. 

Sem saber o que ser, decidiu calçar umas botas texanas e ir jogar ténis para espairecer. Não acertava uma. Era isto. E pouco mais que isto.  
Perdeu 6-2 6-4 contra uma parede e ainda sofreu 6 ases. 

Já o avô era fraquinho. Conhecido por precisar de fazer a barba apenas no sentido do pelo. E por gostar de espargos numa altura em que até os espinafres eram considerados apenas pequenos arbustos. 

Um dia saiu-lhe o euromilhões e fez o que sempre tinha pensado fazer se esse dia um dia chegasse. Inscreveu-se nas aulas de ténis e foi comer fondue com mais duas amigas. E no dia seguinte apanhou o comboio da ponte 10 vezes para a frente e para trás. Depois achou que a continuar assim ia esbanjar tudo num instante e fechou-se em casa. 

Morreu a ralar queijo para fazer ‘risotta’ - como esta triste lhe chamava. Quando chegaram ao local os bombeiros pensavam ter sido lepra fulminante hardcore. 

O avô ia agora ficar sozinho. Ficou preocupado.  
Mas depois pensou na estúpida da neta. Ralada. 

 

Famílias especiais #3

Ainda assim encerramos hoje a série 'Famílias especiais' com a desventura de Rúben. 

O avô materno era um amante de números. Tinha sido campeão do bingo do Belenenses já por três vezes. Uma figura respeitada entre pares e ímpares. 

Mas o jovem Ruben cresceu numa sociedade onde era proibido beber leite meio gordo.  
Durante anos foram frequentes as manifestações pró-leite meio gordo. Não raras vezes acabavam em cenas de violência. O tráfico nas zonas mais pobres da vila era pandémico e chegava-se a comprar meio litro de meio gordo por meia centena de euros. 

A avó paterna vendia também sacos de leite meio gordo pela porta do cavalo da sua taberna ‘A Vaca Leiteira’. Como os sacos eram brancos o leite passava despercebido. 

Um dia mandaram encostar o carro da avó e pediram-lhe para abrir a bagageira. Ali encontraram alguns jerricãs com leite. Defendeu-se de pronto dizendo que alguns eram de leite gordo, outros leite magro, outros de sémen de búfalo da Guiné que usava nos pastéis de mozzarella que vendia na tasca. 

Antes de fazer o teste para despiste do conteúdo, o guarda avançou a explicação proforma ‘Se esta esponja ficar cor-de-laranja pôr-do-sol é porque é leite meio gordo’. Ela disse que sim, que sabia disso. E assim que o líquido tocou a esponja esta ficou cor-de-laranja nascer do dia. Chamaram-lhe o milagre da pasteurização. Ainda assim a avó não se livrou de 1 mês em Caxias quando umas semanas mais tarde a mandaram parar outra vez. Para além de um stop fundido e de o colete reflector estar embaciado, tinha o neto no banco de trás com 4 dentes de leite meio gordo. 

Rúben cresceu com este peso em cima. 

Mas como era hipocondríaco um dia assustou-se com as notícias sobre o surto de sarampo e deixou de pensar na avó. O avô, meigo e terno tranquilizava-o dizendo para estar descansado, que pelo andar da carruagem algum dia alguém lho havia de limpar. E assim foi, aos 26 anos e por causa de uma rixa antiga de famílias dealers de leite meio gordo, um membro da família Brito viria a concretizar esta profecia. Via-se na capa do jornal do dia seguinte o jovem Ruben, também ele meio gordo, deitado no chão, com a camisa Sacoor aberta até ao umbigo, uma poça de sangue em seu redor e centenas de litros de leite a escorrerem pelos buracos de bala feitos nos barris que trazia na Hilux de caixa aberta e a inundarem a rua. Um cenário que na altura se tornou frequente nos jornais e que espalhava o terror e o medo nas gentes daquela vila. 

No funeral, incrédulas e revoltadas com as injustiças, as carpideiras pagas gritavam mais sentidamente que todos os outros:  
‘Tão novo, bolas só tinha 26!’ 
‘Linha!’ gritou o avô materno como fazia sempre que ouvia um número entre 1 e 100. 

 

É Natal

O Engº Fonseca dos Santos saiu de manhã com aquele sentimento altruísta que o abraçava todos os 25 de Dezembro. 

Apanhou um táxi. Como auto intitulado homem do povo, social 360º, falou com o taxista. A ver se conseguia criar uma história para depois contar aos amigos. O taxista como todos nós achou-o apenas parvo. Ele achou-se brilhante. 
Para ilustrar só um pouco da interacção ocorrida, a dada altura o Engº Fonseca dos Santos pergunta ao taxista porque é que ao mudar de concelho tinha de pagar outra tarifa, sendo que nada acontecia a não ser atravessar uma linha imaginária que nem sequer era bem definida. O taxista respondeu que podia sempre ir de comboio que o valor era o mesmo ao longo de toda a linha, ou que podia até chamar um uber que o preço era também fixo. Fonseca dos Santos respondeu que agora o taxista é que devia pagar uma tarifa extra porque tinha dado dois conselhos de seguida, o conselho do comboio e de seguida o conselho do uber. O taxista nem percebeu o que ele disse e ansiou pela chegada ao destino mais do que havia ansiado que a imprudente mulher não estivesse grávida outra vez. 

Chegado ao destino, o Engº Fonseca dos Santos dirigiu-se para um dos poucos cafés abertos na praça. Era um ritual que tinha e que muito lhe aprazia. Juntar-se ao povo num café e comungar do sentimento do 25 de Dezembro em família disfuncional. 
Encetou uma conversa com o primeiro homem que se acotovelou com ele ao balcão. Um auto nomeado guineense (mentira) de nome Libório. Pediu uma média para si e perguntou se podia oferecer alguma coisa a Libório.  
- Pisang Ambon. 
- Como? 
- Pisang Ambon. 
- Como assim Pisang Ambon? 
- No Natal não bebo merda. Gosto de beber uns Pisang Ambons. 
Assim foi, whiskey para um Pisang Ambon para outro, vezes 3 em meia hora. 
Libório era daquelas personagens meios confusas e confundidas, consequência de um ou outro ácido marado e demasiadas bebidas fluorescentes num ano específico no lado mau da sua vida. Dizia-se vítima de muito azar mal desde que tinha vindo do Ultramar (mentira...nem nunca tinha ido a África, era português de gema). Ultramar, Benfica, Salazar e a conversa foi fluindo com maior ou menor risco de rebentar e com muito poucas hipóteses de se tornar coerente. 
Às tantas começa a tocar o La Bamba nuns decibéis algo selváticos e o tom da conversa sobe também. Eles não discutiam. Aliás, concordavam até, mas aquele timbre e a força que tinham de por em cada palavra começava a despertar neles uma adrenalina musculada. Antes que acabasse o primeiro refrão já Libório tinha uma lambada de desvantagem assente nas ventas depois de afirmar que ‘tinha saudades da mãe’. Fonseca dos Santos ouviu apenas o ‘...mãe’ no final da frase, deduzindo que aquela palavra dita aos berros no final de uma frase só podia ser insulto, arriscando responder com a mão. Na verdade Libório tinha dito que ‘tinha saudades da mãe’, o que era mentira. Tentava apenas mostrar-se saudosista e meigo para que a compaixão de engenheiro de Fonseca dos Santos pagasse um Blue Curaçao. Trinta segundos depois Fonseca dos Santos e Libório já se abraçavam de novo e este ciclo de lambada e abraço repetiu-se por 3 vezes até ao final da música.  
Às tantas à porta do bar passa um mitra. Os maduros compram-lhe um conto. 'Este é o nosso conto de Natal' gargalharam eles entre catarros. Libório aguentava-se bem à chaminé mas Fonseca dos Santos se algum dia tinha sequer fumado, disfarçava muito bem. 
Melhores amigos duas horas mais tarde e Fonseca dos Santos convida Libório para jantar em sua casa com ele e a sua mulher nessa noite, pois ‘na noite de Natal ninguém devia ficar sozinho’. Libório chora e abraçados avançam para o táxi. Embrulham-se uma última vez por cima de um capot de um Citroen Saxo, rebolam, caem no chão. Decidem sem verbalizar que foi um empate e seguem imbuídos do espírito de Natal.  
Chegam a casa de Fonseca dos Santos abrem a porta e Fonseca dos Santos chama pela mulher que não aparece. E que já não aparecia há 5 anos desde que um AVC a tinha levado embrulhada num saco numa noite de Natal. 

 

Enterra

É um facto. Somos a Quarteira do sistema solar. Creio que foi o que Al Gore disse quando se referiu ao Planeta Terra. 

Sou convicto de que há vida nos outros planetas. Claro que há. 
Por isso é que às vezes há vislumbres de coisas estranhas a pairar por aí ‘ele esteve aqui e depois subiu, e saiu rápido para aquele lado’. Isto é quando os ETs querem mostrar aos ETs juniores para onde vão se se portarem mal. Claro que outras vezes é a sopa de cavalo cansado a fazer faísca com o sol do meio dia e na realidade não havia nada a pairar. Mas é isso que eles fazem como seres conscientes e extra terrestres, como em ‘de fora do planeta terra’. Diz-se por aí nas tascas uma piada, que em Marte nos tratam como o planeta Enterra. 

E é claro que procuramos vida noutros planetas. Para ver se está tudo a afundar no mesmo barco. Se somos os únicos que não estamos a perceber bem como é isto de viver. Ela existe mas nunca vamos encontrá-la. Porque eles são muito mais espertos que nós. Escondem-se quando veem os javardos selvagens a chegar. É por isso que encontramos areias...fios de água, calhaus...e pouco mais. Eles assim que veem um foguetão a circular, agarram em tudo e bazam sem deixar nenhum vestígio e só saem da toca quando ouvem as palmas da nossa aterragem no regresso. 

Nós por aqui parecemos aqueles cicerones nervosos que vão receber visitas ligeiramente mais abastadas às quais querem agradar, e sacamos de todos os trunfos e pomos todas as pratas à vista. Acaba o TGV rápido, põe aí o acelerador de partículas em cima da mesa para eles verem. Tapa o buraco do ozono com esses novos robots ou com as 40.000 mil variedades de chocolate que criámos. Já agora, põe aí a desflorestação fruto da extração de óleo de palma para debaixo do tapete. Está a chover mas põe a rega ligada só para eles verem que água aqui não é problema. Agora dá só aí um jeito no teu colarinho, fecha a braguilha e vai abrir a porta que eles já tocaram à campainha.  
Somos aqueles parolos com a casa cheia de bibelots e a cheirar mal, a mofo e a ranço. 
Estamos a exibir-nos para quem? Estamos a medir pilas com quem? Onde é que queremos ir? 

E para quê? Mais fortes, mais rápidos, mais altos...para quem? Uau! Temos bueda merda. Mas isto vai haver alguns jogos sem fronteiras interplanetários e queremos muito ganhar esta merda? O meu planeta é melhor que o teu?  
É que com isto que temos nem com o Joker em todas as provas ganhávamos sequer a San Marino. 

Somos a Quarteira do sistema solar. 

 

Lullaby

‘Era uma vez uma porta que tinha ficado estragada.  

Foi num dia em que o menino acordou e foi ao sótão. Lá ao fundo, aquela porta que tinha estado fechada desde sempre e ele mal dava por ela. O pai não gostava que ele andasse por ali. E já lhe tinha dito que ali não era sítio para se brincar. 

Mas nesse dia, num ato de rebeldia, percorreu o corredor cheio de portas abertas e outras fechadas. Até que lá no fundo, lá atrás numa zona mais escura e de pouca luz, estava a porta. 

Abriu-a. 

Viu que um homem paranoico saía da cama e andava às voltas em stress. Espreguiçava-se e preparava-se para sair. Viu também que um homem triste e confuso já se vestia e viu outros com roupas de cores e padrões vivos a lavarem a cara no lavatório em frente ao espelho. Riam-se ao ver-se refletidos e tentavam alcançar-se. 

De repente começam todos a falar ao mesmo tempo. Assumindo papéis de protagonistas em simultâneo. Ele sai e foge, batendo a porta e chamando a atenção dos que lá estavam dentro. 

E a porta lá ficou, estragada. Quando fazia mais vento, ou se abria uma janela, lá ia batendo com a corrente de ar, sem se escancarar. Mas sempre a bater. 

Às vezes quando havia uma discussão o menino ouvia a porta escaqueirar-se à biqueirada. Quando numa jantarada abria a boca para mais uma cerveja a mais, ouvia-lhe as dobradiças a ranger e a ombreira a ceder. 

E desde então essa porta nunca mais se trancou. 

Ainda se chamou alguém para ir lá acima arranjar, mas em vão sob risco de afetar o resto da casa. E assim a porta continuou, ora a abrir, ora a fechar, ora a bater. Mas sem nunca se trancar.’ 

O avô fechou então o livro dizendo:  

‘E é por causa dos meninos no sótão deste menino que  o avô diz sempre: 

Tomem cuidado meus filhos, se aos ácidos vão brincar.  

Porque podem abrir portas que não são para abrir...’ 

E as duas crianças em coro: 

‘...e fechar outras que não são para fechar.’ 

O avô sorriu, desligou a luz do candeeiro, aconchegou as duas crianças na cama e saiu fechando a porta atrás de si. 

 

Padeço de casalismo crónico. 

Ela - Este programa é uma seca. 

Ele - Pois é. 

Ela - O comando está ali. 

Ele - Vai lá tu buscar o comando. 

Ela - Não, vai tu. 

Ele - Não...vai tu estás mais perto. 

Ela - (sorri) Gordo. 

Ele - (sorri) Preguiçosa. 

Ela - Anda cá. 

(Beijos) 

(Beijos com língua) 

(Apalpões e amassos crescentes) 

Ele - Vais lá? 

Ela - Não gordo, vai tu. 

Ele - Vá lá... 

Outra pessoa – Sra. Bárbara Reis?  

Ela – Sim. 

A mesma ‘outra pessoa’ - O doutor vai atendê-la. 

Ela - Foi um prazer conhecê-lo. 

Ele - Igualmente. 

 

Ca granda estúpida

Dançava o tango com o diabo 

Twerkava no colo dos arcanjos

Sem jeito para a vida 

Dava o coração a quem não tinha nenhum

Abria os lençóis a quem não queria dormir 

Fechava a alma a quem queria entrar

Desfazia a cama para quem não queria dormir 

Fazia a cama a quem a queria acordar

Merda menina merda malandra merda minada 

Estúpida estirpe estúpida estima estúpido estigma

Como era gira como era perdida como era triste 

Fogachos alegres em sociedade, depressões constante em riste

Anda menina dá-me a merda da mão 

Não quero comer não quero foder 

Quero que te ames 

Que não vivas em vão

Nem de escada nem de porta nem de nada

Sobe um degrau 

Vê-te de cima

Giro não é? 

Levanta-te desajoelha e põe-te em pé 


7 poemas de Marta Pais de Oliveira

EMERGENCY USE ONLY   

Vou na saída de emergência
vendo as nuvens rasgadas por nós
quando estico a mão para receber
a informação que diz: se não se sentir
capaz de ser responsável pela evacuação
de emergência, peça outro lugar. 
Mantenho-me imóvel e olho
a porta ao meu lado
pull, exit
– parece ser fácil
salvar um pouco de
humanidade

 

PUPILA

Dilatou a minha pupila e eu olhei-me no vidro para
vê-la crescer como um poço negro para o interior de mim e
a íris desapareceu, eu desapareci num círculo que cresceu tanto. 
E houve primeiro o susto de ver tudo desfocado
depois o prazer de ser uma névoa entre todas as névoas
foi o que pensei quando me chamaram ao consultório – 
mediu a pressão do meu olho, avaliou a pupila dilatada
apertou-me a mão – apertou-me a névoa de mão. 
E levei na carteira a receita e no olho a alegria de tudo ser
bonito quando é um borrão que imaginamos
poder desenhar melhor. 

 

NECESSIDADES

É necessário algum caos como
gavetas abertas, um garfo entre as colheres
despentear o mundo com toda a certeza
também beijar os olhos logo ao nascer
falo de todos aqueles que for possível, sim
esquecer o que esperar se tudo são
lírios e delírios
e o que há mais? 

É necessária a fúria de uma onda enorme
olha como transforma quem a vê da praia
ou do farol ou do carro
podem ser crianças besuntadas de gelado
podemos ser nós a secar lembranças na pele, somos
e apesar do medo do abismo
queremos vê-lo para contar a todos como é 
mas a nós não. 

São necessárias palmeiras altas para subirmos
a essa ideia que se escondeu no fim de tudo
num sonho dentro de um sonho e outro
onde pedimos licença mas somos selvagens
animais cheios de dúvidas, tantas
– não arrumes o garfo
– não? 
– sim

 

ESTENDAL   

Tens sempre os lábios gretados de café 
- essa é a regra de todos os dias
e de todas as noites redondas. 
Melhor pensar nisso e não em ti
nem quando subimos à rocha quente
para logo mergulhar
ou quando apontaste o dedo à lua
nasceu uma verruga
e eu ri muito alto
demasiado alto
talvez nervos meus de saber
teres defeitos grandes e lábios gretados
que apetecem sempre beijar. 
Melhor pensar no cardume de melros
olha lá, são imensos
e eu ri muito alto, demasiado alto
espantando o horror de
melhor pensar nos pés e não em ti
caminhar sem sapatos
estupidamente encharcados do temporal
e eu que nem reparei que choveu
apesar do estrondo de tudo
e de tu a gritares coisas de silêncio
nos meus ouvidos molhados: 
como a trazer-me à tona
só um sussurro azul. 
Enfim vim à tona e como não lembrar
a onda que era fria
ou estalo de amor
e eu em perigo que corri logo, logo
pendurei-me no estendal
a secar – pareceu-me que sequei
de olhos sempre abertos como os teus
não cair nos teus olhos, não
melhor pensar
que toda a gente nasce
mas tu nasceste mais
e como não pensar em ti? 
Toda a gente nasce
mas tu nasceste mais
e contigo eu
que ainda pingo dos sapatos. 

 

TAXISTA   

Ensinou-me hoje um taxista
que por vezes basta abrir
a janela do carro
– Para quê? 
abrir os olhos contra o vento
não, foi a favor
– Abrir a favor do vento.   

 

VOLTO JÁ 

Olho uma nuvem disforme  
toda branca e fúria. 

Ou outra coisa qualquer.  
Ponho o dedo no mel,  
mas eu já não sou eu  
quando finalmente é noite  
alta e há um vulto no jardim.  

Posso ser este quarto
minguante envolto  
em ciprestes altos e esguios  
de medo mais do que a noite
e tu ou o próprio poema.  

Talvez um gato a lamber flores,  
a caçar grilos e luares gordos
e eu que só encontro raízes, 
cicatrizes, máquinas de costura  
velhas cosendo pontos absurdos  
e crus. Devia haver janelas.  

Mas eu não lavei o sono dos olhos,  
esqueci-me de acordar. 

Possa talvez ir à mercearia  
comprar meio quilo de tempo. 
Espera um pouco, poema.  
Volto já e trago mel. 

 

ERGUER   

Como erguer terramotos e inundações. Pó, guindastes, ferro
e alguém que diz: mais devagar, por favor. 
Como erguer da barafunda atenção para abrir de noite a janela
sabendo que epopeias e libélulas têm a mesma grandeza. 
Quando nascemos começamos logo a morrer, 
depois há o abismo da imaginação. 
Como aprender a apalpar o fundo das coisas
da sílaba ao clarão. Enfrentar com a mesma esperança
o sublime e o terror. O amor. 
Como fazer crescer o silêncio maior do que uma bomba
e alimentar a hora das corujas que falam dessa
alucinação ou pasmo da escuridão
e como rir do riso porque sim. 
Como erguer da maré a baleia, o osso medido a régua
e esquadro ao compasso da luz da lua. 
Subitamente percebi: não sei se saberei perder o medo de escavar. 
Intrigar-me-á até ao fim dos dias quem dá maiúsculas a
terra mar céu deus
sinal de importância quando o que de maior têm é o quotidiano. 
Dizem que se a ele sobrevivem é tudo
– posso eu? 


Depois do livro, George Steiner

George Steiner.jpg

Num artigo de 1972, George Steiner formula, retomando ideias pretéritas e abrindo para teses futuras, a finitude do livro, esse dispositivo essencial da cultura ocidental moderna. O título, “After the Book?”, é menos niilista do que poderíamos supor, e não justifica totalmente o texto que encabeça. Na verdade, para Steiner, depois do livro vem a barbárie, nenhuma outra tecnologia cultural conseguirá substituir a função civilizacional do livro, sem livros regressaremos às cavernas, mesmo possuindo a mais sofisticada tecnologia assistencial e hedonista de que há memória.

Na tradução de Miguel Serras Pereira, de quem cito, para a editora Gradiva, 2013, George Steiner. Sobre a Dificuldade e Outros Ensaios (On Difficulty and Other Essays, a 4$ na Amazon.com), encontramos esse e outros textos que vivem em torno da linguagem, tema predileto de Steiner, visto que, como escreve na página 262, “Habitamos um mundo de linguagem, e se este é origem de dilemas desconcertantes, mas marginais, é também a raiz da nossa existência consciente e do domínio que exercemos sobre a natureza.” Somos animais de linguagem e a versão mais sofisticada está inscrita nos livros, o esplendor da linguagem usou mais a escrita do que a fala. Ora, o problema é que “A amnésia organizada do ensino americano – e boa parte da Europa segue o seu exemplo – fez com que o alfabeto das alusões escriturárias, mitológicas e históricas da nossa literatura se tornasse hieroglífico.” (p. 263) Problema insolúvel para Steiner. E inclino-me para essa visão, talvez cassándrica, do mundo: lemos menos (apesar de se venderem mais livros e de se consumirem mais medicamentos, cujas bulas são textos extensos e quase poéticos) e lemos pior.

Steiner compreende que o livro só “durante um trecho relativamente breve da história, foi um fenómeno importante.” (p. 255) Talvez apenas a partir de Santo Agostinho se tenha começado a ler em silêncio, subjectivamente. E depois é preciso esperar pelo século XVI para que o livro comece a ser um elemento cultural determinante. Mas de seguida ele ganha um ascendente formidável em relação a todas as manifestações da cultura oral, tanto que se torna “comprovadamente o talismã contra a morte.” (p. 261) O ser humano passa, assim, a ter uma pele e uma alma linguísticas, e todas as renovações que ocorreram nos últimos séculos só resultaram porque a linguagem permitiu a sua eclosão, por exemplo (exemplo meu), sem O Manifesto do Partido Comunista não teria havido a revolução russa de 1917 (um materialista dialéctico discordará), ou sem a embriaguez poética (apesar de tudo controlada) de Charles Bukowski vender-se-ia menos cerveja no Bairro Alto de Lisboa, ou sem a poesia do corpo libidinoso de Mário Cesariny haveria mais adultos enfiados nos armários da culpa e da vergonha. Mas ainda, como disse acima, que se publiquem cada vez mais livros (haverá, claro, um retrocesso), faltam leitores sérios, como refere Steiner: “os requisitos principais da leitura concentrada no sentido de outrora [o “outrora” dele é por vez mítico] – o isolamento, o silêncio, o reconhecimento do contexto – tornam-se cada vez mais raros no próprio meio dos estudantes de nível universitário em que mais importante seria encontrá-los.” (p. 268)

É por isso que, para Steiner, “Depois do Livro” virá o “dilúvio”, uma profunda negatividade capaz, entre outras coisas, de eleger presidentes iletrados e dar autorização para ensinar a seres que nunca ultrapassaram o patamar da memorização incipiente e irrelevante. Se já chegamos lá? Vamos indo, tanto mais que “O que está assim em formação não é simplesmente uma «contra-cultura», mas uma «pós-cultura».” E, como sabemos, os “pós” são muito mais difíceis de identificar do que os “contra”.

Entretanto, boas leituras!

Mazagão, ou a Queda do Império

Esta Mazagão foi construída pela urgência da História, a mando de D. João III. A manutenção das praças do Norte de África – é muito grande verdade que estes lugares d'Afriga alevantarom fora dos reinos e dentro deles o estado de Portugal, nas palavras de Gonçalo Mendes Sacoto, capitão e poeta – ou o seu abandono – muy bom sumydoiro de gente de vossa terra e d'armas e de dinheiro, segundo o Infante D. Pedro, filho de D. João I – há muito que se discutia na corte. A perda de Agadir e as retiradas de Safim e Azamor precipitam o seu reforço. Entre 1541 e 42, nasce de parto rápido a fortaleza defronte à baía e em volta do velho castelo, sob os cuidados de João de Castilho e João Ribeiro. O traço era da responsabilidade de Benedetto da Ravenna.

Será vigia atenta da carreira da Índia, entreposto comercial assim como posto avançado na ilusória conquista de Marraquexe. Vinte anos depois, em 1562, terá a sua prova de fogo aquando de um cerco de três meses, que acabará por ser levantado após pesada mortandade do lado muçulmano.

Nascia assim a fama da Mazagão inexpugnável e a do heroísmo dos seus habitantes, realçando-se de entre estes a figura de Rodrigo de Souza. Mas esta vitória seria o seu canto de cisne. Trazia no ventre um prenúncio. Ficará isolada, cada vez mais sozinha, à medida que as restantes praças eram abandonadas ou perdidas: Arzila, Alcácer-Ceguer, Ceuta e Tânger. Por fim, Mazagão transforma-se numa ilha de pedra encravada entre o mar e a terra. Uma relíquia dispendiosa e sem proveito que já não assustava o Infiel, dela alheado após a vitória de Almançor na batalha de Alcácer-Quibir. Minúscula parcela de um império que minguava a Oriente e se expandia na imensidão brasileira, à qual sem ainda saber o seu destino iria para sempre ficar unido, Mazagão era um enclave de esquecimento e uma teimosia.

Mas para os seus habitantes a vida continuaria igual, apesar de se ter tornado tão diferente. O mundo ficara mais despovoado. Mais vazio e desabrido.

No Inverno, as brumas mantinham-se por mais tempo, galopavam as muralhas e estendiam-se espessas, tapando a cidade, fazendo crer que esta tinha desaparecido de vez da face da terra. Eram dias de horizontes cerceados. As pessoas perdiam-se naquela teia rasteira e húmida e as sentinelas tentavam penetrar na paisagem em volta, com olhos de admiração. Inutilmente. Eram dias de perplexidade e quieta inquietude. Os ventos cessavam, nada se mexia, e as raras vozes e os raros ruídos rotineiros calavam-se. O mundo havia-se tornado mudo. Tão estranhamente mudo que às vezes alguém gritava um nome, um cumprimento, somente para se fazer ouvir.

E no Verão, o Sol dançava frenético sobre si mesmo num céu branco, queimando a vida em Mazagão. Nesses dias implacáveis, todo o movimento era um esforço sobre-humano ou então um declarado acto de resistência. O horizonte tremia e figuras temerárias surgiam em cavalos brancos, até que as sentinelas vacilantes se apercebiam do engano. Nunca lá haviam estado. Durante o dia a vida suspendia-se, parecia ter-se recolhido para longe, pelo entardecer ganhava alento e por horas breves rejubilava num ânimo de condenado antes de a noite, extensa mancha difícil de transpor, a relembrar da sua solidão. E os anos, as décadas iam passando.

Durante demasiado tempo parecia que ninguém se aproximava da Mazagão esquecida, a não ser os pequenos grupos de cavaleiros moiros com as suas razias e investidas. Mas estes, com a sua presença regular, não contavam, pois de certa forma também pertenciam àquele lugar rude e claustrofóbico. Onde simplesmente respirar se tornara um gesto árduo. A própria cidade encolhera, mirrara como um tecido mal lavado. Muitos fronteiros esperavam a chegada das naus e galeões, tentando conseguir com intrigas e favores um lugar para longe, pois longe iam os tempos em que prestar serviço em África era uma estratégia de ascensão social e de obtenção de riqueza garantida. Mas agora aquelas vinham em menor número, sempre atrasadas e sem grandes ordens de embarque. Outros porfiavam na decisão de ali permanecer e defender com a vida, se necessário, a praça dos constantes cercos e emboscadas mouras.

Na Mazagão solitária só resistiam os hábitos há muito inaugurados e incessantemente repetidos quase até à exasperação, uma exasperação muda, contida entre dentes cerrados. Que se libertava em rixas e duelos. E em sexo desenfreado, denunciavam os padres, como se juntos, os corpos pudessem suportar melhor as provações impostas por Mazagão. Porém, no seu íntimo continuava a palpitar a secreta esperança, esse animal hibernado, de que um dia o tempo detido quebrar-se-ia e a vida, a verdadeira vida, voltaria. As longas décadas gastas em defesa da praça ganhariam sentido com uma grande campanha contra o Infiel e a conquista das cidades de Fez e de Marrocos. Era este coração subterrâneo que a mantinha viva, ou pelo menos em letargia, alimentando um quotidiano regulado por ordens militares. Os artilheiros inspeccionavam os canhões, os espingardeiros afinavam as armas, os turnos das sentinelas rendiam-se com zelo burocrático. Tudo isto acontecia todos os dias às mesmas horas. E às 6 da tarde, com a exactidão dos movimentos perpétuos, a torre de rebate ordenava o fecho das portas, ficando Mazagão ainda mais reclusa de si mesma. 

Só as procissões que levavam N.ª Sr.ª da Assunção num andor coberto de flores, flutuando estranhamente diáfana acima de uma cidade embrutecida, e os jogos tradicionais organizados aquando da chegada de um novo governador, traziam a distracção necessária a esquecer o esquecimento a que tinham sido votados. E ainda quando, num esforço de imitação dos tempos antigos, os jovens fronteiros se lançavam em ataques de cavalaria ensandecidos, apostados em demonstrar a sua valentia ou então determinados em degolar o tempo, essa grande besta que lhes devorava a juventude.

 

De açúcar

Salivar, diante da imagem, até não mais aguentar. E lambê-la. Toda. Dos impolutos pezinhos aos angélicos cabelos – incluindo a mimosa coroa. Lambê-la, até não mais poder. E mordê-la. Comê-la. Toda. Dos imaculados pés aos dourados cachinhos – incluindo o gracioso ornato da cabeça. Morder, com especial deleite, seus cândidos joelhinhos e as alvinhas e apetecíveis nádegas. 

É pecado, padre? É? Devorar, assim, uma santinha (tão bonitinha!) de alfenim?