UM FILÓSOFO

O filósofo
costumava falar
da vida justa e recta; dizia
que todas as manhãs
tomava um café, fumava um cigarro
e tinha o seu
momento escatológico:
«Eis o culminar da cultura,
o rigor das palavras equívocas,
um trocadilho barato.
Muito lá ao longe, existe um mar
e nele um barco que vai e vem
sem parar,
movido por uma força íntima,
no perfeito silêncio,
um mundo para lá das palavras,
da minha língua,
um mundo que não tenho,
mas me tem. Não quero
falar nem calar. Por mim,
apenas ambiciono ser
uma nuvem azul no céu limpo,
uma gota de água no rio calmo.»
Quando morreu, deixou testamento.
Duas frases:
Ǥ1. Quero ser cremado nu.
§2. A vantagem de morrer
é que posso deixar a louça por lavar.»