Etnografia do Algarve

Êxtase costuma ser da cor do lazúli
O algarve é uma região
Onde existem povos com o jumento domesticado
E outros que não chegaram a tempo
Da escolaridade obrigatória
Nas ruas vêm-se estrangeiros de muito dinheiro
E outros com não muito dinheiro
Por vezes irlandeses gordos e embriagados
E franceses sem capacidade financeira para o sul
Do seu próprio país

O algarve começa neste século
A sua mais frondosa crise de identidade

Pendentes de um bezerro dourado
Ou de um jogo de sombras estrangeiras
O algarve morre aos poucos
Como um areal infinito e atemporal
Que teima em encerrar-se no vácuo
De uma ampulheta dourada

Êxtase costuma ser uma palavra
  Da cor do lazúli
E o que salva o algarve são
Pescadores escondidos em impermeáveis
Verdes, roxos e violetas   de 1986
Encostados às suas bicicletas
Encostadas às suas vontades
Juntos numa esquina sem nada para dizer
O que salva o algarve são senhoras com os dentes necessários
E um lenço a cobrir-lhes o cabelo
Vendem fruta da horta no mercado
Sem cálice nem corola  
O que salva o algarve
É a ria deserta no inverno
E não o deserto de filas de carros
Como se de um conto do Cortázar se tratasse
Sob um sol ardente
Nas manhãs de verão
O que salva o algarve não são as palmeiras que nunca antes estiveram
À la venice beach, chico
São as alfarrobeiras tristes
E as oliveiras mudas
É o canavial que acompanha os riachos
Da serra-mãe
Talvez a revolução seja isso e eu não a veja
Êxtase é da cor do lazúli