Noel Petinga Leopoldo

Fanhosos apontamentos biográficos escritos com exagero contido, na 3.ª pessoa do singular, como convém

O autor virou-se para a leitura nos tenros anos. Era um miúdo um bocado sozinho – quase filho-único. Havia umas três dezenas de livros em sua casa, e a leitura tornou-se um dos seus passatempos. Lia tudo o que estava à sua disposição: desde um almanaque até um qualquer livro de história segundo a cartilha Estado-Novo. Vem deste período o fascínio pelo poema anónimo “Nau Catrineta”. Sabia-o quase de cor. Todavia, a literatura disponível não estava adequada à sua idade e desmotivou.

Aos 16 anos já conhecia inglês suficiente para ler e traduzir as letras dos seus cantautores preferidos. O Springsteen do “Nebraska” e as folkices do Dylan levavam-no para outro ‘mundo’. Aquela ‘literatura’ bastava-lhe. Por intermédio de um professor de Francês, deu de caras com o Brel e o Prévert. Fez fotocópias do Prévert e traduziu o que conseguiu. Ficou com o Brel atrás da orelha. Do Cohen comprou o 1.º disco; ouviu-o as vezes necessárias para que a sua limitada memória selectiva pudesse fixar as letras. Mais tarde descobriu o Van Morrison e o LP “Astral Weeks”; teve muitos orgasmos estéticos a ouvi-lo. Ainda hoje lhe dá para isso.

Enquanto treinava para professor, na faculdade, há uma professora que passa uma gravação caseira do poema “Um adeus português”, do O’Neill. A crítica feita ao Portugal-canino do Salazar põe-no KO. Meses mais tarde fechou-se na biblioteca da Faculdade de Letras e só saiu de lá com um cartapácio de fotocópias que intitulou “Cadernos de Poesia”. Foi um despertar. Apetecia-lhe grafitar muros com versos – murificar a poesia.

Tanto lê poesia como prosa, e tem um fascínio pelos prosadores sulistas dos E.U.A. e as suas estórias secas e brutais povoadas de personagens solitárias, oblíquas e algo abjectas. Na poesia prefere a portuguesa, e faz o culto da sua própria santíssima trindade: O’Neill, Ruy Belo, Sena. Também aprecia enormemente o Rui Knopfli (“Mangas Verdes com Sal”), o Alberto de Lacerda, Eugénio de Andrade, Jorge Sousa Braga…

É entusiasta de cinema, mas ficou-se pelos anos 60. Para ele, “Voando sobre um ninho de cucos” é um filme algo ‘recente’. Aquando da sua estadia em Lisboa, era frequentador da Cinemateca, e costumava ver filmes do Ford, do Bergman, e o “Johnny Guitar” do Nicholas Ray. Aprendeu tanta literatura na faculdade como na supracitada catedral do cinema, enquanto inalava as doutas cachimbadas do Bénard da Costa e lia os seus magistrais folhetos. Cortava na comida para ir ao cinema e para comprar LPs, rezam as crónicas.