4-  Avenida de Estalingrado

   à Karen


Oh e as argutas estradas da civilização
esgotadas na têmpora do peso que apagam
quando escoam lívidas  soberanas  judicativas
os parasitas que sobre elas sorvem
ilusões de fonte
fontanários esquálidos cobertos de musgo
seus crânios perante a posteridade

quando paramos nelas
louco é o vento da sua correria nos nossos cabelos
mas quando nelas andamos
nauseabunda é a sua imobilidade perene onde
aí     elas são como nós
        bustos ocos cuspindo água contaminada

as nossas cidades e nós
alimentados por uma corrente que não nossa
tendo uma fachada como um peso de uma linhagem
uma circuncisão
ou como o povo do deserto lhe chamou
um baptismo

e mais que o sangue verde que corre nas nossas veias 
- nossas    delas     dele -
sonhamos com a faca na veia
a jugular rasgando o seu horizonte
escrevendo o nosso nome finalmente liberto da grafia
como                  Pollock          
ou como uma criança antes de lhe ser imposta
o catequismo da Arte patriótica

as crianças quando nascem sabem nadar
as crianças quando morrem não desaprendem a nadar
só esta frase dá consolo à miséria

MISERÁVEL
nos teus lábios secos e enxutos
bem-se poderia escrever apenas
puro

mas a vida                 contaminada
Sebastião o inesperado santo sabia-o
por isso rejubilava amarrado a um poste
como uma puta

un, deux, trois, plier, Mademoiselle, plier
un, deux, trois, plier, encore, plier
parrrrrrrrrrrfait

Medusa professoral de serpentes em chamas
bradando aterrorizada pelos séculos fora

quem ainda duvida que as putas são      ainda       apesar disso     contra tudo isso
pias 
               imaculadas  
                                    milagrosamente canonizadas 
ainda que nunca apagando o seu sofrimento       lavadas   todos os dias
por sémen de criaturas perdidas     lançadas ao mar     afogadas
com certificados de maioridade no desespero
velhos reactores de barricadas justas      necessárias      esquecidas
e agora                    apenas
moedas do império    escravos do império    obeliscos do império
largados por fantasia religiosa
religare religare religare
como uma sedução cruel
como ondas assassinas batendo num barco em fuga
assassinas  sanguinárias  sádicas

as crianças quando nascem sabem nadar

porque precisas tu então de um barco
Ulisses       Vasco       Laikazinha-amor-doméstico

a minha cara tem
apesar de tudo
mais razão de ser
no secretariado da propaganda nacional
que no meu pescoço

a tua solidão
      tem
apesar das farpas
mais amor pelo secretariado de propaganda nacional
que pelo sadismo da tua retina

ela é inesgotável                       inavegável
torrente brava     inexpiável      bruta

os teus olhos lembram-me mares que eu nunca vi

os ábacos dançando
o teu pulso decalcado numa matriz
no hospital onde ninguém te visita

a tua solidão é o propósito de haver barcos
entretém bulímico para cidades enfastidiadas

vazia    entretida      uma cidade confinada
vigiada    pudorosa    convalescente

atulhada ou confinada uma cidade pode estar deserta
se entretida

o teu grito esvaziou a cidade           confinou-a
a cidade agora entretém-se      abundante         vazia