Os besouros
/Ora é preciso que as pessoas entrem e saia
Que vivam por toda a parte, por causa da verosimilhança
Eu gosto muito da verosimilhança
Herberto Helder
O poeta abre a porta e um enxame de besouros
entra pelo poema em revoada e infesta
a ortografia do silêncio.
Que nome terá uma matilha
de insectos zunindo as canelas da métrica
pérolas negras atravessando a culpa
para embater às cegas nas paredes...
Na verdade
antigamente também eu gostava bem mais da verosimilhança.
A mosca --por exemplo-- é um insecto muito verosímil
na esfrega diária de quem fuça a crosta aninhando (ternamente)
os ovos na face da ferida. E as formigas.Um pingo de mel
sobrante do verso e chegam brilhando ao trilho em perfeita ordem.
Não fora o bulir apressado mentiriam as letras as palavras
ocultos símbolos
que tempo não houveram de ser
na ociosa lamúria do verso.
Ah,
as moscas e as formigas verosímeis
a descerem dos cabelos até ao braço
para se alojarem perfeitamente credíveis
na infecção poética!
Eu também gostava muito ( muito!) da verosimilhança…
até abrir a porta
e um enxame de deus ex machina
me entrar poema dentro em revoada
zumbindo na caligrafia triste do silêncio.