Exijo que me tratem pelo nome!

 

Há quem me saúde por “sôtor”.

Há quem me saúde por “sôtor” e incline ligeiramente a cabeça.

Há quem me saúde por “sôtor”, incline ligeiramente a cabeça e coloque a mão no chapéu fazendo menção de o retirar.

Há quem me saúde por “sôtor”, incline ligeiramente a cabeça, coloque a mão no chapéu (e mais do que fazer menção de o retirar) retira-o mesmo.

Há quem me saúde por “sôtor”, incline ligeiramente a cabeça, coloque a mão no chapéu retirando-o e executando todo este malabarismo de honrarias enquanto conduz uma bicicleta.

E ainda há quem ao ver-me aproximar pela mesma calçada prefere, (talvez com o receio de conspurcar a minha passagem), prefere - dizia eu - desviar-se para o meio da estrada. Regressará dezenas depois à segurança do passeio.

Cinco poemas de Tiago-Reis

“Esclarecendo que o poema
é um duelo agudíssimo
quero dizer um dedo
agudíssimo claro
apontando ao coração do homem.”

Luiza Neto Jorge


Que tua mão, espingarda
de canos cerrados. E as palavras
Letais, por alvejarem
o coração dos homens.


Poema dedicado aos seiscentos anos da Conquista de Ceuta

De pouco nos serve sabermos
as artes de marear, se
barco nenhum navega no horizonte.

Pereceremos
na tortuosa espera do cais.

 



“o paquete para Angola sem nenhum lenço a fungar”

António Lobo Antunes

No cais, nenhum daqueles lenços
lhe era dirigido.
E de solidão chorou
gesticulando adeus à Pátria imóvel.


Primavera em Auschwitz


“Quando pensamos em Auschwitz (…) pensamos sempre que
estava frio e chuva. Mas pior do que isso: 
havia dias lindos de sol e estava calor. E um céu azul.”

Daniel Blaufuks


Sem saber se
bênção ou indiferença
dias havia de sol
em Auschwitz.


Ao suicida, que preso esperando pela tortura. 
Encontrando uma saliência na parede da cela enforcou-se
(no filme “Roma, Cidade Aberta [1945] de Roberto Rosellini). 


Na cela uma luz se fez presença
iluminando na parede
a fuga.