INTERMITÊNCIA, Linguagem, Perspectiva, Oxímoro e Arte

254. INTERMITÊNCIA

Todos lhe diziam que falava demais, que devia ouvir-se, mas ele não ouvia ninguém e continuava a falar, a falar, a falar. Um dia, nunca soube bem porquê, calou-se e ouviu-se finalmente a si próprio. Percebeu então que eles tinham razão, e disse-o a todos, um a um, para que soubessem que assim era, uma, outra e ainda outra vez, sem parar.


277. LINGUAGEM

Queria ser o melhor, mas cedo percebeu que não era suficientemente bom para ser o melhor entre os melhores; e o mesmo quanto a ser o pior, porque também não era suficientemente bom para ser o melhor entre os piores, que o mesmo é dizer o pior entre os piores. Decidiu então que seria o melhor dos medíocres, o que penso que conseguiu ser, senão o melhor, pelo menos um dos melhores, porque a maioria esmagadora dos medíocres não é mais do que isso, e ele poderia, sem dúvida, ter sido melhor, muito melhor, o que julgo que afinal lhe aconteceu.


301. PERSPECTIVA

Irritava-se por tudo e por nada e, por mais que tentasse, não conseguia mudar, no entanto, um dia sentiu-se sereno, extraordinariamente sereno. As pessoas começaram a fugir dele, dizendo que estava morto, mas ele sentia-se bem, extraordinariamente bem.


325. OXÍMORO

O poema é uma prática de silêncio. O poema, como cada uma das suas palavras, tem sempre um lado de fora e um lado de dentro. O poema nunca é parte de coisa alguma, o poema é sempre um todo. 
Ele sabia que assim é. 
Ele sabia
que só o grito do poema 
permite
verdadeiramente
ouvir o silêncio
que sempre o compõe.


351. ARTE

Subiu ao palco e imobilizou-se à boca de cena, olhando o público, um sorriso tímido a aflorar-lhe o rosto pálido. Quinze minutos depois nada mudara, com excepção da agitação crescente do público que, pouco a pouco, ia abandonando a sala, soltando impropérios e risos de escárnio. Quando ficou sozinho o homem fez uma pequena vénia e saiu sem pressas pela direita.