diná



conheço diná de uma fotografia. diná está de costas, metida num maiô vermelho, sozinha, com as mãos na cintura, como quem planeja uma viagem ou o suicídio, diná olha o horizonte para além do atlântico. o ocre predomina a imagem e, não fosse o maiô, diná seria camuflada na paisagem de areia e rochas. essa foto está num álbum da minha família e ninguém sabe dizer quem é a mulher. a chamo de diná, porque outro nome não cabe. uma mulher de maiô vermelho em mil novecentos e setenta e quatro, um ano antes do meu nascimento, a mulher que veste minha cor favorita. diná entre fotos da barriga da minha mãe, minha infância, festas de família, granulada diná entre crianças choronas, adultos bêbados e muitos cachorros. de todas as fotos, diná. que faz diná debaixo do plástico de uma das páginas de um álbum mais velho que eu? minha mãe diz que a leva foi tirada no litoral norte de são paulo. alguma praia quebrada, caída, com muitas rochas no entorno. a praia de diná. perdeu a carona numa lancha ou perdeu seu filhinho de vista ou, depois de uns mergulhos, diná desorientada, submergiu no local de areia errado e não onde estavam seus amigos, sua família, sua bolsa. todavia ela olha o mar. diná escolhe a linha que segura a água contra o céu. põe as mãos na cintura e aperta os olhos castanhos, prende os pés na areia, como se fosse possível, como se a areia fosse um poleiro e diná uma arara, como se a atmosfera quisesse arrancar diná de ser diná na fotografia do nosso álbum. agora um náufrago prende a atenção de diná que não se desespera, mede as braçadas necessárias até a areia, pensa no caminho que faria, mas não é ela o náufrago e daquele ponto, o pobre nem a vê. volta a roçar a linha fatal, o cálculo impossível, construir barcos fora dos preceitos náuticos. nada a flutuar, a não ser a hipótese de um voo raso em grandessíssima velocidade, irritar terríveis ondas, afastar o náufrago da costa, impossibilitar seu sofrimento de retorno, afogar o homem na intranquilidade azul, chegar até o limite, até o horizonte que, a essa velocidade, jamais se afastaria de uma mulher de maiô vermelho e com as mãos na cintura. um dia diná escapa da foto e aí quero ver. vou estar de olho em quem da família, além de mim, sente a falta de diná.