Nicanor Parra, "O Homem Imaginário" e "Então"
/Tradução de Bruno Ministro
O HOMEM IMAGINÁRIO
O homem imaginário
vive numa mansão imaginária
rodeada de árvores imaginárias
na margem de um rio imaginário
Dos muros que são imaginários
pendem antigos quadros imaginários
irreparáveis fendas imaginárias
que representam factos imaginários
ocorridos em mundos imaginários
em lugares e tempos imaginários
Todas as tardes tardes imaginárias
sobe as escadas imaginárias
e debruça-se na varanda imaginária
a contemplar a paisagem imaginária
que consiste num vale imaginário
circundado por colinas imaginárias
Sombras imaginárias
vêm pelo caminho imaginário
entoando canções imaginárias
ao morrer o sol imaginário
E nas noites de lua imaginária
sonha com a mulher imaginária
que o brindou com o seu amor imaginário
volta a sentir essa mesma dor
esse mesmo prazer imaginário
e volta a palpitar
o coração do homem imaginário
De Hojas de Paja (1985)
ENTÃO
não estranhem
se me vêem simultaneamente
em duas cidades distintas
ouvindo missa numa capela do Kremlin
ou comendo um hot-dog
num aeroporto de Nova York
em ambos os casos sou exactamente o mesmo
ainda que não pareça sou o mesmo
De Hojas de Paja (1985)