Nicanor Parra, "O Homem Imaginário" e "Então"

Tradução de Bruno Ministro

O HOMEM IMAGINÁRIO

O homem imaginário
vive numa mansão imaginária
rodeada de árvores imaginárias
na margem de um rio imaginário

Dos muros que são imaginários
pendem antigos quadros imaginários
irreparáveis fendas imaginárias
que representam factos imaginários
ocorridos em mundos imaginários
em lugares e tempos imaginários

Todas as tardes tardes imaginárias
sobe as escadas imaginárias
e debruça-se na varanda imaginária
a contemplar a paisagem imaginária
que consiste num vale imaginário
circundado por colinas imaginárias

Sombras imaginárias
vêm pelo caminho imaginário
entoando canções imaginárias
ao morrer o sol imaginário

E nas noites de lua imaginária
sonha com a mulher imaginária
que o brindou com o seu amor imaginário
volta a sentir essa mesma dor
esse mesmo prazer imaginário
e volta a palpitar
o coração do homem imaginário

 

De Hojas de Paja (1985)

 

 

ENTÃO

não estranhem
se me vêem simultaneamente
em duas cidades distintas

ouvindo missa numa capela do Kremlin
ou comendo um hot-dog
num aeroporto de Nova York

em ambos os casos sou exactamente o mesmo
ainda que não pareça sou o mesmo

 

De Hojas de Paja (1985)

 

Nicanor Parra, «A montanha russa» e «Três poesias»

Tradução de Bruno Ministro

A MONTANHA RUSSA


Durante meio século
A poesia foi
O paraíso do tonto solene.
Até que vim eu
E me instalei com a minha montanha russa.

Subam, se vos apetecer.
Claro que eu não me responsabilizo se saírem
A deitar sangue da boca e do nariz.

 

De Versos de Salón (1962)

 

TRÊS POESIAS

 

1

Já nada me resta para dizer
Tudo o que tinha a dizer
Já foi dito não sei quantas vezes.


2

Perguntei não sei quantas vezes
Mas ninguém responde às minhas perguntas.
É absolutamente necessário
Que o abismo responda de uma vez
Porque já vai sobrando pouco tempo.


3

Só uma coisa é clara:
Que a carne se enche de larvas.

 

De Versos de Salón (1962)

 

[ver perfil de Bruno Ministro]

«O Peregrino» e «Aviso» de Nicanor Parra

tradução de Bruno Ministro

O PEREGRINO

Atenção, senhoras e senhores, um momento de atenção:
Virai por um instante a cabeça para este lado da república,
Esquecei por uma noite os vossos assuntos pessoais,
O prazer e a dor podem ficar à porta:
Ouve-se uma voz deste lado da república.

Atenção, senhoras e senhores! Um momento de atenção!
Uma alma que esteve engarrafada durante anos
Numa espécie de abismo sexual e intelectual
Alimentando-se escassamente pelo nariz
Deseja fazer-se ouvir por vós.
Desejo que me informe sobre alguns assuntos,
Necessito um pouco de luz, o jardim cobre-se de moscas,
Encontro-me num desastroso estado mental,
Raciocino à minha maneira;
Enquanto digo estas coisas vejo uma bicicleta apoiada num muro,
Vejo uma ponte
E um automóvel que desaparece entre os edifícios.

Vocês penteiam-se, é certo, vocês andam a pé pelos jardins,
Debaixo da pele vocês têm outra pele,
Vocês possuem um sétimo sentido
Que vos permite entrar e sair automaticamente.
Mas eu sou um criança que chama a sua mãe de trás das rochas,
Sou um peregrino que faz saltar as pedras à altura do seu nariz,
Uma árvore que suplica que a cubram de folhas.

De Poemas y Antipoemas (1954)

 

 

AVISO

É proibido rezar, espirrar
Cuspir, elogiar, ajoelhar-se
Venerar, uivar, escarrar.

Neste recinto é proibido dormir
Inocular, falar, excomungar
Harmonizar, fugir, interceptar.

É estritamente proibido correr.

É proibido fumar e fornicar.

 

De Versos de Salón (1962)

 

[ver perfil de Bruno Ministro]