TARANTELLA

E que, por acaso, a dança trepe, do mais plúmbeo 
deste esforço esforçado, 
Que o transe percussivo dos ossos acerte no mais raso deste caso, 
nas carnes da terra, relha rítmica antes de se chamar cultivo, lavradio, 
E que o mundo, por curiosidade, a isso assista, censurando, celebrando, imitando, até ao desejo, mais raro, 
de matar por isso, atear desse êxtase estrito de estado limite, 
as decisões terminais da epidemia, da orgia, 
do sacrifício 
perguntando como quem não quer a coisa 
muito quem me dera morrer assim, 
que bicho lhe mordeu, 
me morda já 

Flor Carnívora

Nada de um campo de girassóis
Que esgrimem por uma
Porção de luz, outro tanto de água,
Dois ou três sopros de vento quando
Não desarmam as armas do estio

é uma arte exemplarmente mamífera,
esta ronda ritual canibalística exercida por tímidos

mas quando a faca crava, a bala criva,
uma palavra a outra se sobrepuja, silencia,
com a sua rutilante destruição maciça, quando
um poema se lê, quando assoma expressivo
um rosto de homem ou de mulher, para
outro se entenebrecer ou diluir numa cor indistinta
de tarde a cair

embora sem dúvida ou hesitar,
aquele que mata a esse irmão confessará:
por favor, não me relaciones com um passional
assassino,
como-te vivo por meu amor ser tanto
-corpo do meu corpo, sangue do meu sangue,
pão, vinho de mim-
que dos pés à cabeça te absolutiza

Epicédio

Logo antes ali aqui agora 
viver as mil e umas mortes 
de Houdini, diante meu próprio 
inumado, numa inclinação 
de velório por sobre seu devido 
declinado esquecimento, na sensação erótica de quem 
se olha conhecendo, por fora, 
estrangeiro já ante esse tão seu 
estranhamento, 
sem a parafrástica lágrima, 
que humedece fremindo, 
de sentimento piadético, 
esquife ou poema, duas coisas 
análogas, cercadas de talento, 
de flores e silêncio, 
que aliás se baralham, 
e devem com a mesma 

 

Carmina Suburbana

Precisa-se de um nevermore, more than ever,
Mas nenhum perigo de pássaro ominoso
Se engancha no umbral da garganta,
nenhuma mão se espeta num prego,

As rugas da espera são de expressão apática-
Sem drama nem tragédia, porque nada,

Nada acontece, nada impõe a vida panicável
da sua presença, com os sentidos retesos,
puxados até mais não num alarido de alarmes
em parque de estacionamento

Nada, absolutamente, as coisas sucedem-se
numa célere redundância de carrossel,
de cores baças, confundíveis, indistintas,  
sem gritaria, gozo nem vertigem
de feira, cíclicas,

Sempre as mesmas no relógio não rodando
tédio nem desespero, não parado no seu loop
mecânico de ponteiros sem som
ou mutismo impessoal de smartphone,

Com a lei do espírito do tempo sombreando,
Os homens-sujo-mostruário, sem nenhuma
Assombração, monstro, ameaça, apocalipse,
Castigo, némesis,

Vigiando esta escrita de severidade franzida
de sobrolho matemático, esta área sem ária,
leve ausência de metáfora, sinédoque, tropo, milagre,
qualquer coisa

Uma coisa que seja que em causa ponha,
subvertendo com a santidade musical do seu caos,
a ordem genérica das não-espantosas coisas 

Demasiado reais, içando-as içando-as em ombros
operaticamente oh fortuna oh fortuna
corais acima da sua própria condição