Variações sobre Teresa

a primeira vez que vi
teresa foi como se
fosse a segunda
os seus dentes
retornando em si
bemol os seus
cílios se atentando
à notícia diária
da terceira vez que
vi teresa o relógio
da esquina marcava
sete e quarenta e
cinco da manhã

 

a primeira vez que vi
teresa não achei o seu
lóbulo direito quando vi
teresa de novo percebi
o seu estômago arroxeado
da terceira vez que vi
teresa ela acenou pra mim
do outro lado da calçada
e desapareceu pela rua
das laranjeiras

 

a primeira vez que vi teresa
uns ruídos se ergueram por
entre as paredes e, atentos,
estabeleceram uma dinâmica
de grupo para fins de pesquisa.

quando vi teresa de novo
os ruídos se apresentavam para
a banca e todos diziam que
o trabalho tinha sido em
conjunto.

a terceira vez que vi teresa
os céus se misturaram com
a terra mas os ruídos logo
disseram que isso era
cientificamente impossível

 

eu acho que nunca vi
teresa

 

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Três poemas

1.

A cidade desaparece dentro da cidade
como o mar naufraga em outro mar.
Mas e a alma – impura
porque lirismo – em que claridade
ela oscila e cai como um fruto
inventado, como um poema
apócrifo? Termina em mim
e eu termino como um pássaro
aprisionado em seu vôo?

2.

Não existe mais o cinema
da Rua Etrusca – não existe
nem sequer a Rua Etrusca:
outro modo de inventar
um território poético,
outro modo de nomear
a Rua São Sebastião, onde
há um extinto cinema (Cine
Etrusco) e o cheiro que antes irradiava
- fina e clara poeira de mármore -
esvaiu-se em outro cheiro de ontem
e ambos sucumbiram, diáfanos
como uma música que apenas a memória
escuta – um resto
de dias embalsamados
que nunca pertenceram a ninguém
(fina, clara, fria, ardente poeira ebúrnea).

3.

A tarde de sol retorna
apenas para o nosso engano.
Haverá quem estremeça e diga
é Setembro reencontrado
enquanto outro afirma na verdade
é o pior dos meses
renascido. A tarde de sol
é lenta como não estar mais aqui
e parte dela fica retida
nas copas das árvores e outro
tanto nos homens que cheiram a terra
remexida durante exumações.

fais-toi une cuirasse secrète

armaduras no castelo     no museu
na feira de antiguidades     armaduras
no cinema saem voando    outras presas
sob a pele calcificam em algo rijo 

o visor é um ponto fraco   as axilas
a virilha e as dobras do flectido movimento
não são inteira proteção     cobrir-se só
é inútil como um tanque sob espada samurai 

umas pesadas    outras leves    elegantes
armaduras de desfile ou de torneio
onde põem fitas multicores   adereço
venusino que compõe a antiga alegoria
marte amante      a proporção 

duram armaduras mais que os homens
que as vestiram     mas que triste condição
porém não esta que cresce como espinhos
sob a pele    esta cota   fina malha   de mithril 

bem menos que um adorno      bem mais
que o tigre altivo     como um elmo de pavor
a fúria do leão que em neméia se calou
hercúlea caça     sua couraça     [a ironia] 

o protegia      mas foi ela que o matou

sobre o que os carnavais anunciam

o que nós 
não dizemos 
amarga
a boca 
retrai a  
língua os 
lábios suspensos 
e o mundo 

o que nós 
não dizemos 
inquieta o 
baço  
agoniza o 
saco as  
nádegas feridas 
e o mundo 

o que nós 
não dizemos 
encolhe os  
ombros 
cutuca o 
peito os 
braços atados 
e o mundo 

às vezes inverno 
às vezes verão

 

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