Exercícios sobre a espera I

Eu não sei quanto a você, mas os peixes 
estão cada vez mais tristes nas fotografias 

Desenho um jardim para as plantas 
onde ele entregaria o corpo cansado 

De manhã compro ovos 
sou bem mais útil do que a tarde 

De tarde molho as plantas 
de tarde fumo cigarros 
e estudo a arquitetura da casa 

De tarde quebro os ovos 
amasso com farinha um bolo amarelo 
ofereço ao dia
 
A casa antiga 
eu desenharia um peixe em cada parede 
abro de tarde um livro antigo 

he knocks on the crown as though to 
dislodge a foreign body, 
peers into it again, puts it on again 

De noite a casa tem fantasmas 
a casa sou eu sou a casa 
as luzes acesas 
um livro que queima lento 

Eu ficaria pensando se não fosse aquilo tudo 
se não fosse aquilo tudo. 

How soon is now

do Arthur

 

(de verdade)
imagina 

um recorte de revista
de mim deitado numa cama uma foto do mundo
no fundo bem grande um pôster e uma sessão
de fotografias 

existe um nome técnico para vídeos
feitos de fotografias mas agora
não me lembro 

eu no Brasil:
Rio de Janeiro
eu recorte
e aí uns recortes de sons
The Smiths 

e eu vou subindo

primeiro a parte direita sobe
na primeira foto meus pés
porque eu estou deitado aí
minha cabeça isso em fotos 

sucessivas
muito rápidas 

não tão rápidas
que não dê para perceber que são fotos
individuais 

aí vou subindo assim e em menos
de três segundos eu estou fora
do mundo o vídeo dura uns cinco
segundos é o suficiente

Rouge

saindo de lisboa lia um livro sobre lisboa 
sobre os jardins coloniais de lisboa 
aquele café do lado da torre de belém 
sobre o aqueduto e as meninas de óculos redondos 
de lisboa e sobre os senhores que falam francês 
quando em lisboa não se fala francês 

também sobre a procissão das quatro da manhã 
do bairro alto até o cais do sodré 
sobre como meus olhos brilhavam e você dizia 
regarde, le sol est rouge 
sobre como a rua estava tomada de gente dizia 
rouge! rouge! 

percebe as coisas se esfregam de um jeito 
os livros não 
mas o caminho da augusta até o tejo 
e os comerciantes e as drogas que não fazem efeito 
e as lojas de chapéu e as pastelarias 
e a fila para a cidade subterrânea: apenas três dias ao ano 

sobre como meus olhos brilharam quando um rapaz 
já no último dia bem no fim da fila 
quando deveríamos dizer: já não há mais tempo 
lia um livro sobre o brasil e sobre as coisas do brasil 
e sobre o o rio de janeiro do passeio público 

foi então que percebi 
exatamente então que percebi (ou seria o barulho do elétrico?) 
que nunca tinha lido nada sobre lisboa 
que nunca levaria nada de lisboa 
que lisboa para mim seria a mesma coisa que é 

o domingo quando o parque fica aberto 
a forma como o motorista do autocarro me diz pronto já está 
seu sotaque bem longe de um sotaque de lisboa 
ou os nomes 

saber o nome das ruas de lisboa não é saber lisboa 
saber o caminho para o miradouro (e chegar 
ainda com o sol dentro de uma parte da vinte 
e cinco de abril) não é saber lisboa 
como um tipo lendo o livro sobre o brasil não é saber o brasil 
como partir em um par de dias não era estar no brasil 
                                                 era: não estar em lisboa 
                                                 era: não 

como estar no brasil não é ser tropical 
não é ter em casa palmeiras não é discutir futebol 
cherrie, você não sabe o que é o futebol 

hoje suas insinuações de vir me agradam 
muito mais do que a presença por isso 
planejo uma vingança sem precedentes 

esse chão amarelo limpo 
essa decoração azul 
a casa ainda sem móveis 
você dançando bêbado por exemplo 

o dia dos teus anos

começo hoje a festejar o dia dos teus anos
dona filomena me aponta por chegar sempre tarde à casa
minha mãe fala devagar o meu nome
dona filomena me aponta por chegar sempre triste 
e subir as escadas como se derrubasse o mundo
minha mãe fala baixo o meu nome
eu peço: mais alto, por favor
é que dona filomena às vezes grita no apartamento do lado
se eu fosse um náufrago
e teu nome uma concha
escutaria o que os vizinhos já conhecem
é que dona filomena nunca pisou nesse prédio
minha mãe esquece meu nome quando desligo o telemóvel
carlos, desculpe-me
há dias que sou eu mesmo
em outros sou dona filomena
e também minha mãe
e também o tavares quando não abre a tabacaria
quando eu era um náufrago
e teu nome uma ilha
as coisas não costumavam mudar de forma
pois era eu mesmo
e eu mesmo
e às vezes você (eu mesmo)
mas logo hoje festejo o dia dos teus anos
e celebro o apartamento como uma instituição
pois teu nome e dona filomena e a tabacaria
e todas as coisas bonitas e tristes da cidade são o mesmo 
maço de papéis quando: uso óculos escuros
lavo as mãos na água fria
sento de costas e deito a cabeça na janela do metro
mas logo hoje (o dia dos teus anos) sou dona filomena
e também a paragem do autocarro e também algumas prendas
e sobretudo eu mesmo e a alegria do mundo
logo hoje
a casa respira tempos que não são teus