5 poemas de NINGUÉM VAI PODER DIZER QUE EU NÃO DISSE I

Ninguém vai Poder Dizer que Eu Não Disse I, meu terceiro livro, foi lançado em 22 de Setembro, no Bar Irreal, em Lisboa, Portugal. É o primeiro volume da série com pequenos poemas, ainda que a maioria no formato prosa. Testados/lançados primeiramente aqui e ali, em “salas” da internet. Série que, no caminho que faz, em sua essência, gritam meu íntimo, incluindo nela fragmentos do episódio em que fui brutalmente apaixonada e então brutalmente agredida pelo acidental e efêmero amasiado (o cavalo. o falso cego. cavalo de bengala?). Mas não vamos ofender tão lindo ungulado. Então posso dizer que poeticamente temos aqui um livro do cotidiano, pequeníssimos manifestos, axiomas, enunciações de várias fases (dolorosas, bonitas, pulcras, estragadas, desempoadas) entre hematomas e sorrisos apaixonados, claro, se valendo do lirismo para melhor ser.

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invento minhas políticas. você sabe. erramos ou não a fruta. o ritual é deixar que a fruta seja seta antes das moscas. ajoelha-te amo-te ajoelha-me o amor e a fruta será. um filamento de sim e um de não. também um de sim e não. sofro-me vermelha. sofres como amarelados castanhos. a noite faz uns descansos sobre as cordas de macacos japoneses no shamisen de saber o ventre feminino. ENQUANTO A GENTE CORRIA EU VI A PONTE SOB. terminei a frase antes que o ritual alimentasse as moscas.
 

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correr e parar e gritar ao penhasco NO MUNDO HÁ SEMPRE UM HOMEM DE BOAS MÃOS CUIDANDO DO MUNDO e quase despencar e quase despencando ser agarrada pelos cabelos e sendo agarrada pelos cabelos saber a lã. ai. a lã. um cheiro de boca. e me virar. EU CONHEÇO ESSA GUERRA EU CONHEÇO ESSA PAZ.

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um mamute retorna de seu trabalho
mapear um intervalo de poeiras
dirá
das dificuldades em manter uma linha aqui e outra ali
deitará sua massa no mato com baunilhas
sentirá esse sono que todo homem sente: um mamute retorna de sua era.

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detenha o focinho diante da janela. teu bafo faz auréolas arrecadando prostitutas da tua cidade: ENTENDO QUE É PRECISO COMEÇAR A PENSAR UMA NOVA CIÊNCIA ESTENDEDORA DE HÁLITOS.
 

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voltar o filme, ver como o cego vê. vê como o cego vê. volta o filme pra ver: a mulher caminha até uma árvore. lá está seu namorado segurando uma carta de despedida e uma aliança e uma flor. tudo fede a peixe e não há garantia alguma de que a trilha sonora possa ser original, por exemplo. segure-se nuns ramos de coisas: o filme está para começar: em qual época da minha vida eu comecei a enxergar o prato sem as coisas nele? os fatos fora do prato. os talheres como ganchos para assuntos paraninfos, a família como jogo de talheres, os besouros como broches? só o cego sabe de qual flor falo eu. pequeníssima risada: falo eu.


Ninguém vai poder dizer que eu não disse I encontra-se à venda na Letra Livre, Pó dos Livros, Sr. Teste, Fnac ou directamente pela Douda Correria (facebook ou miasoave@sapo.pt)
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Paul Valéry: Aforismos

Selecção e tradução: João Moita

Saborear a injustiça.

A injustiça é uma amargura que restitui o sabor à solidão, aguça o desejo de separação e singularidade, abre o espírito às vias profundas que conduzem ao único e ao inacessível.

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 No fim de contas, esta vida miserável não merece que sacrifiquemos a existência à aparência, quando sabemos aos olhos de quem, diante de que olhos vamos aparecer. 

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Sinceridade.

A sinceridade desejada leva à reflexão, que leva à dúvida, que não leva a lado nenhum. 

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Si.

De nós não sabemos mais do que aquilo que as circunstâncias nos deram a conhecer (ignoro tanto de mim).

O resto é indução, probabilidade: Robespierre jamais imaginou que guilhotinaria daquela maneira; nem um outro que amaria até à loucura.

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O crime não se encontra no momento do crime, nem mesmo um pouco antes. – Mas numa disposição bem anterior e que se desenvolveu à rédea solta, longe das acções, como fantasia sem consequências, como remédio para impulsos passageiros – ou para o tédio; –  frequentemente pelo hábito intelectual de considerar todas as possibilidades e de as formular indistintamente.

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As «razões» que nos levam a abster-nos dos crimes são mais embaraçosas, mais secretas do que os crimes.

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 O castigo enfraquece a moralidade porque dá ao crime uma compensação acabada. Ele reduz o horror do crime ao horror da pena; – ele absolve, em suma; e faz do crime uma coisa negociável, comensurável: podemos negociá-lo.

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 Tudo aquilo no qual e pelo qual nós temos necessidade imediata de outrem é «ig-nóbil» – não nobre.

Mentira.

O que nos força a mentir é frequentemente o sentimento que temos da impossibilidade de os outros compreenderem inteiramente os nossos actos. Jamais conseguirão conceber a sua necessidade (que a nós mesmos se impõe sem se esclarecer).

– Dir-te-ei o que podes compreender. Não podes compreender o verdadeiro. Não posso mesmo tentar explicar-to. Dir-te-ei, pois, o falso.

– É assim que nasce a mentira daquele que desespera do espírito de outrem, e que lhe mente, porque o falso é mais simples que o verdadeiro. Mesmo a mentira mais complicada é mais simples que a Verdade. A palavra não pode pretender patentear toda a complexidade do indivíduo.

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 Deus criou o homem, e não o achando suficientemente só, deu-lhe uma companheira para melhor lhe fazer sentir a solidão.

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 A maioria das pessoas têm uma ideia tão vaga da poesia que o próprio vago da sua ideia é para elas a definição de poesia.

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 O pensamento deve estar tão escondido dentro dos versos como a propriedade nutritiva dentro de um fruto. Um fruto é alimento, mas não o experimentamos senão como deleite. Apenas sentimos o prazer, mas recebemos uma substância. O encantamento esconde esse alimento insensível que ele transmite.

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 «E os meus versos, bem ou MAL, dizem SEMPRE alguma coisa.»

Eis o princípio e o embrião de uma infinidade de horrores.

Bem ou mal, – que indiferença!

Alguma coisa, – que presunção!

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 Acho curiosa esta ideia da religião: que uma falta cometida retire a mercê da pureza anterior – como se o mérito da «alma» tivesse sofrido uma «transformação irreversível». E, pelo contrário, que o arrependimento e as suas fórmulas obrigatórias apaguem todo um passado detestável não é menos espantoso.

De onde vem o poder de tal dia numa vida sobre todos os outros dias? Aquele que está fora do tempo, porque dá ele este preeminência, para o mal ou para o bem, ao mais recente sobre o mais distante?... De dois mortais, um é salvo, o outro condenado. Mas a vida de um é idêntica à do outro, tomada em sentido contrário.

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Sei que a juventude chegou ao fim quando o meu pensamento se repercute naquilo que faço - ao mesmo tempo que aquilo que faço se incrusta naquilo que penso.

 

 Paul Valéry, aforismos de Tel Quel I, 1941.