Ícaro
/descamando o quarto
cavo a cova fria da rotina
despertando a águia que habita
a pele dos lençóis
tudo enfim deverá acontecer
o voo incerto atravessa-me o osso
alado: lanço-me ao sol
«Por intermédio das palavras que flutuam à nossa volta, alcançamos o pensamento»
Friedrich Nietzsche
descamando o quarto
cavo a cova fria da rotina
despertando a águia que habita
a pele dos lençóis
tudo enfim deverá acontecer
o voo incerto atravessa-me o osso
alado: lanço-me ao sol
você não sabe
o que é dobrar
uma primavera
você só entende
de invernos,
de edredons,
camisinhas,
band-aid,
merthiolate,
e seriados
um cavalo atravessa furioso
esse lago
fundo dos teus olhos
galopando, galopando, galopando
você não sabe
o que são anzóis
você não sabe
o que é um cavalo
a saliva escorrendo da tua boca
escorrendo pelo canto esquerdo
dos teus lábios
vermelhos-sangue,
uma isca escapando do anzol
você me chove e chove muito
chove imensa constelação
você não sabe
como molha dentro de mim
como boiam minhas entranhas
e afundam
gravitarei teu corpo marítimo
navegarei tuas paisagens noturnas
cansei de ser um peixe
no lago dos teus olhos
serei um anjo
na primavera das tuas coxas
roendo a geografia tópica
dos teus segredos
de balde em balde
encherei teus olhos
serei teu lago
largo, profundo
serei a primavera que não conhece
Livros, filmes, ideias.