nervoso invisível indiscutível molhado e como que de veludo acelerado 

acelerar  
comboios e pontos  
para ser galinha velha
devo gemer cores velhas
tomar banhos opacos
vaporizar as ventas as plantas e as crianças que
chegam pela velhice  
aceleradas
trocar de nariz diariamente
trocar os dias enlouquecer de hora em vez
tocar as orelhas condescendentemente
minhas tuas de ney
bordar as calcinhas novas
cerzir as calcinhas antigas tão cheias
que vazam novidades das noites mal cozidas
abrir a porta do guarda pratos
repetidamente até que o som seja
portanto assim tão parecido  
minha velha vogal mais aguda
ser galinha velha deverá ser encanto para a frente
pele sobre pele sobre pelanca tatuada
tetas verdes de bico para dentro
uma batata doce antes de seu tempo
sem pelos pelas raízes pelo ralo  
feito a escova feito um porco feito espinhos
dar corda ao velho soldadinho russo  
ver graça e tristeza mais graça que tristeza
nova a marcha enferrujada suja bonitinha que só 
sublimar samambaias especialmente
especialmente
tomar o novo uísque envelhecido a fórceps   
deixar a agulha
falar por ney
deixar apitar a chaleira trocar a lâmpada com o troca lâmpadas  
correr pelada pelo corredor no jardim acelerado
me enroscar com heras e ervas impulsivas
acelerar na velhice a guilhotina cabeluda
embebida de tudo que por lá fez casa
estacionamento boate escritório mictório  
e acelerar isso cada dia mais e tanto
me disseram
na velhice é que se sabe o nome daquilo
aquilo nervoso que toda jovem meio que quase sabe e quer saber inteiro
aquilo que todo mundo quer saber o nome nervoso
nervoso invisível indiscutível molhado e como que de veludo acelerado

2016 - 2017 

a praça inteira
lentamente
eu agora dentro do gelo do sonho
a baleia o chafariza catástrofe nos suspensórios
dos olhos
chibatando
arruinados pardais quando os pombos todos no chão  
namoram
uma mesma direção as mãos dos pombos aleijados
meu coração
uma baleia
o botão da camisa vermelha que em algum tempo
foi se desfazer maldita em tempos diversos
o botão aquele
haveria  
uma só maneira de me descobrir dentro
do que não poderia ser um sonho desde que
suposta afronta
a praça lentamente alerta
a praça inteira lentamente inteira comigo
procurávamos moedas onde a sorte em letras e
coroas
razões fissuras fogo um grito qualquer
lentamente
de cara crua
com raízes por fazer

vou me
lavar e dormir entre os teus explosivos sapatos

Quatro poemas

um título que não chega ao coração
a coisa dita noutra pose
uma arma que serve a outros propósitos
a mala descarrilhada da viagem

a gente diz  
perder a cabeça
como se fosse
água-viva
como se não
as letras do título
espalhadas no saguão do sanatorinho

veja bem é o título 

veja bem
como é desnecessária a bula para perder a cabeça em
pleno safári íntimo

§§§ 

senti uma pausa
na configuração do nome da flor
entre os teus dentes
sinto que isso revela  
e que não importa o mistério revelado
importa o tiro no éter importa a pausa
a conotação do espinho o espanto suave
importa sentir a pausa
importa atravessar a mata proposta entre tuas orelhas
importa me debruçar na rocha final sem me fazer percebida
pela revelação

§§§ 

foi para o interior ver
como se some pelo interior
começaria pelo estrangeiro
e foi e viu vultos avariados pelo interior

§§§ 

sobe a anágua

o trovão quebra o vento
mentira
o vento e o trovão quebram a duração
o trigo traduz o movimento errado com o propósito ingênuo  
mentira
dentro do pão a forma da boca que não tem língua
mentira
num trovão todos os coices da égua da noite
mentira
mentira tudo mentira  
sai a duração o trovão  
fica um coice
a língua  
equilibra o vento
nunca o trigo jamais a tradução
mais mentira e volta o trovão 

cai a luva

no fundo do raso do mar

no fundo do raso do mar
está a cara verdadeira
o retrato é ancestral
é uma tomada de reconhecimento
é uma tomada de negação
o andamento é manso
ereto aberto
 a cara não é triste ou alegre
é manifestante
é uma tomada de reconhecimento
é uma tomada de negação e reconhecimento
é a momentânea falência dos olhos
estou
e com os braços de espinhos volto a lavar o rosto a louça
fecho o mar porque o outro recipiente
à mesa não pode perceber o aniversário
dos minutos

5 poemas de NINGUÉM VAI PODER DIZER QUE EU NÃO DISSE I

Ninguém vai Poder Dizer que Eu Não Disse I, meu terceiro livro, foi lançado em 22 de Setembro, no Bar Irreal, em Lisboa, Portugal. É o primeiro volume da série com pequenos poemas, ainda que a maioria no formato prosa. Testados/lançados primeiramente aqui e ali, em “salas” da internet. Série que, no caminho que faz, em sua essência, gritam meu íntimo, incluindo nela fragmentos do episódio em que fui brutalmente apaixonada e então brutalmente agredida pelo acidental e efêmero amasiado (o cavalo. o falso cego. cavalo de bengala?). Mas não vamos ofender tão lindo ungulado. Então posso dizer que poeticamente temos aqui um livro do cotidiano, pequeníssimos manifestos, axiomas, enunciações de várias fases (dolorosas, bonitas, pulcras, estragadas, desempoadas) entre hematomas e sorrisos apaixonados, claro, se valendo do lirismo para melhor ser.

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invento minhas políticas. você sabe. erramos ou não a fruta. o ritual é deixar que a fruta seja seta antes das moscas. ajoelha-te amo-te ajoelha-me o amor e a fruta será. um filamento de sim e um de não. também um de sim e não. sofro-me vermelha. sofres como amarelados castanhos. a noite faz uns descansos sobre as cordas de macacos japoneses no shamisen de saber o ventre feminino. ENQUANTO A GENTE CORRIA EU VI A PONTE SOB. terminei a frase antes que o ritual alimentasse as moscas.
 

~

correr e parar e gritar ao penhasco NO MUNDO HÁ SEMPRE UM HOMEM DE BOAS MÃOS CUIDANDO DO MUNDO e quase despencar e quase despencando ser agarrada pelos cabelos e sendo agarrada pelos cabelos saber a lã. ai. a lã. um cheiro de boca. e me virar. EU CONHEÇO ESSA GUERRA EU CONHEÇO ESSA PAZ.

~

um mamute retorna de seu trabalho
mapear um intervalo de poeiras
dirá
das dificuldades em manter uma linha aqui e outra ali
deitará sua massa no mato com baunilhas
sentirá esse sono que todo homem sente: um mamute retorna de sua era.

~

detenha o focinho diante da janela. teu bafo faz auréolas arrecadando prostitutas da tua cidade: ENTENDO QUE É PRECISO COMEÇAR A PENSAR UMA NOVA CIÊNCIA ESTENDEDORA DE HÁLITOS.
 

~

voltar o filme, ver como o cego vê. vê como o cego vê. volta o filme pra ver: a mulher caminha até uma árvore. lá está seu namorado segurando uma carta de despedida e uma aliança e uma flor. tudo fede a peixe e não há garantia alguma de que a trilha sonora possa ser original, por exemplo. segure-se nuns ramos de coisas: o filme está para começar: em qual época da minha vida eu comecei a enxergar o prato sem as coisas nele? os fatos fora do prato. os talheres como ganchos para assuntos paraninfos, a família como jogo de talheres, os besouros como broches? só o cego sabe de qual flor falo eu. pequeníssima risada: falo eu.


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