Eco das Luzes que se Apagam

 

Tenho testemunhado ao desaparecimento de muitas ruínas,

Uma vez impérios de sonhos e fontes de sorrisos,

Um último pedido pode ser apenas dar um jeito na almofada,

O último prazer passar a mão pela cara barbeada,

Puxo a mandíbula ao palato que já ninguém habita,

Conheci pouco mais que uma despedida, é o que somos,

Afinal, uma ilusão frágil que toca e estraga, para depois se apagar

No mesmo vazio absoluto de onde veio.

 

18.09.2020

 

Turku

"Ansiei por" de Thomas Gorpas

Thomas Gorpas (Missolonghi, 1935-Athenas, 2003)

Tradução de Tatiana Faia com Yiorgos Evgenios Douliakas

 

Ansiei por

Ansiei por robalo cozido com batatas assadas e molho de ovo e limão
que deixa um cheiro doce e ressuscita.
Ansiei pela procissão da Sexta-Feira Santa na minha cidade.
Ansiei por carne assada no forno com massa.
Ansiei por leite fermentado.
Ansiei pelo ravani da minha mãe.
Ansiei por um cigarro do maço do meu pai.
Ansiei discutir Nietzsche e Dostoievsky com
Yiorgos Kotsiras e Yiorgos Fagópoulos.
Ansiei por deixar que a chuva me apanhe enquanto desço a rua
a fumar à chuva.
Ansiei pelos meus primeiros amigos de Missolonghi.
Ansiei pelos meus primeiros amigos de Atenas. 

Ansiei pelas raparigas ansiei pelas avós que se sentam nos degraus e
em bancos na rua em frente de casa verões inesquecíveis enquanto cai
o sol enquanto cai a tarde fantasias e fábulas junto com
desejos secretos e duras realidades.
Todas as coisas estão separadas e juntas o branco e o negro esquecidos e
Inesquecíveis coisas amadas e desprezadas.
E a poesia não fala de acabar. O céu na terra ou a terra
no céu dá no mesmo.
Cheiros do corpo cheiros da sala de aula cheiros do campo
cheiros do café e da taberna da sala
do quarto.
Vem cá Golfo no curral a mãe do Kitsos sentada o Yiannos
e a Pagona canções francesas da rádio Luxemburgo e
da rádio Montecarlo Zorro Dan Fowler e a revista Hele-
nopoulos de Nikos Tsekouras.
Tento atravessar um túnel e sair para a luz ou tento da
escuridão dos nossos dias entrar num túnel
inundado de luz?

E amor.

 4.3.1998 

Νοστάλγησα

 

Νοστάλγησα λαβράκι βραστό με πατατούλες αυγολέμονο
να μοσχοβολάει και ν
᾿ ανασταίνει.
Νοστάλγησα Επιτάφιο στην πόλη μου.
Νοστάλγησα γκιουβέτσι στο φούρνο.
Νοστάλγησα ξινόγαλο.
Νοστάλγησα ρεβανή της μάνας μου.
Νοστάλγησα τσιγάρο από το πακέτο του πατέρα μου.
Νοστάλγησα συζήτηση για το Νίτσε και τον Ντοστογιέφσκι με
τον Γιώργο Κοτσίρα και τον Γιώργο Φαγκόπουλο.
Νοστάλγησα να με πιάσει η βροχή στο δρόμο να περπατάω μες
στη βροχή καπνίζοντας.
Νοστάλγησα τους πρώτους φίλους μου στο Μεσολόγγι.
Νοστάλγησα τους πρώτους φίλους μου στην Αθήνα.
 

Νοστάλγησα κορίτσια νοστάλησα γριές να κάθονται στα σκαλιά και
σε σκαμνιά έξω από το σπίτι καλοκαίρια αλησμόνητα ενώ πέφτει ο
ήλιος ενώ πέφτει το βράδυ φαντασίες και παραμύθια ενωμένα με
κρυφές λαχτάρες και σκληρές πραγματικότητες.
Όλα είναι χώρια και μαζί λοιπόν άσπρα και μαύρα ξεχασμένα και
αξέχαστα αγαπημένα και περιφρονημένα.
Καί η ποίηση δεν λέει να τελειώσει. Ο ουρανός στη γη η γη στον
ουρανό το ίδιο κάνει.
Μυρουδιές του σώματος μυρουδιές της τάξης μυρουδιές της εξοχής
μυρουδιές του καφενείου και της ταβέρνας του θαλάμου και της
κρεβατοκάμαρας.
Έβγα Γκόλφω στο μαντρί Τού Κίτσου η μάνα κάθονταν ο Γιάννος
κ
᾿ η Παγώνα γαλλικά τραγούδια από το Ράδιο Λουξεμβούργο και
το Ράδιο Μόντε Κάρλο Ζορρό Νταν Φόουλερ και το περιοδικό Ελλη-
νόπουλο του Νίκου Τσεκούρα.
Προσπαθώ να διασχίσω μια σήραγγα και να βγω στο φως ή προ-
σπαθώ από το σκοτάδι των ημερών μας να μπω σε μια σήραγγα
γεμάτη φως; 

Καί αγάπη.

O Amadurecer das Uvas - Haikus

I

A bondade

não desperdiça

o arroz.

O pó do caminho

não incomoda

as primaveras.

Longo o crepúsculo

quando nada

se espera da manhã.

Colhe flores o samurai

ainda quente o sangue

na lâmina.

Na chawan

olhos verdes

que me esqueceram.

No amor e na morte

a mesma delicadeza

das flores.

O herói morto

com as nádegas

à chuva.

Deixaste queimar

o arroz –

amanhecer.

Comido pela mesma

fome

o trevo de quatro folhas.

Sobre a erva fresca

o corpo

banhado pelo sol.

Mil silêncios

a dança da erva

no fim de tarde.

Passam sem nome

todos os sonhos

alheios.

Como recordações

no início do verão

as moscas.

Quase não me nota

o sol

roendo uma erva.

Toda a vida

na sombra

de um insecto.

Debaixo da árvore

sou um mundo

para os insectos.

Na minha perna

que procura

a lagarta?

Folhas verdes

pele dourada

roupas de verão.

E se o universo

um gigante deitado

debaixo de uma árvore?

Ninguém me chama

para jantar –

andorinhas cantam.

Coberto de moscas

e pulgão –

pôr-do-sol.

Rimbaud ao sol

cerveja

na mesa.

A chávena ainda quente

do chá

que já bebi.

Morango silvestre

inocente mastigo

a tua beleza.

Sou um campeão

do arrependimento –

acaba a Primavera.

II

Vendedora de morangos

o sol aquece

meus cabelos brancos.

Debaixo da ameixeira

corre a água

mais fresca.

Põe-se o Sol

nas folhas

do marmeleiro.

Na boca vazia

Ainda a doçura

Dos pessegueiros cortados.

Cor das flores

de cerejeira –

distancia e sonho.

No Ribeiro fresco

lava-se a terra

das batatas novas.

Sofrem na canícula

as roseiras

de minha mãe.

Belo o perfume

de todas as flores –

noite sem luar.

As mimosas da infância

do tamanho

da saudade.

Nos olhos do meu pai

a sabedoria

de um velho castanheiro.

No ondular da seara

a fragrância

da tua pele morena.

Longe estão os ramos

das mimosas

da infância.

O sabor dos agriões

distante

como a juventude.

Aberta sobre a mesa

a melancia madura –

Verão.

No tanque da roupa

cai

uma maçã madura.

III

Sobre o dourado

da madrugada

voa a gaivota.

Incendeia-se o céu

ainda a terra

fria de sono.

Asfalto quente

da cidade –

ninguém cava a terra.

Aquela gota de orvalho

que secou

e ninguém viu.

Um gato atravessa

uma rua deserta –

abro os olhos.

Sentado no granito

também vou –

folha levada pelo vento.

Entre duas ervas

brilha ao Sol

a fina teia.

Passa a zumbir

a mosca –

em que pensava?

Em cima do pinheiro

o Sol

mais próximo.

Entre as páginas

esmagado

um mosquito.

No pátio da escola

aquela mimosa

e a minha infância.

Quão longe

podemos estar

do que somos?

Cada árvore

reconhece

a criança que fui.

Pinhas sobre

o musgo

sob pinheiros.

Parar numa sombra

e reflectir

nos cheiros do verão.

Passou uma lesma

no restolho –

amanhece.

IV

Rodeadas por seixos

as barbatanas

de uma foca.

Este mar

não parece ir

nem voltar.

Cheiro das macieiras

ao fim da tarde –

alguém prepara o jantar.

Tocado pelas recordações

o trigo

estremece.

Só os grilos cantam

numa língua

que reconheço.

Passou por mim

uma libelinha

ou lembro a minha mãe?

Onde a gente se delicia

cagam os gansos-do-canadá –

dia de praia.

Como podem

estes velhos dentes

ter tanta fome?

Levam o Sol

as jovens rolas –

tarde de Agosto.

Amargo o café

como o homem

a quem a juventude acabou.

A quem se irão dar

aqueles jovens

corpos cintilantes?

Pernas que se abrem

sonhos que cessam –

fim de verão.

Quantas as mães

do capitão Shigemoto –

mosca da fruta.

Mais um belo dia

para ser

desperdiçado.

Nas páginas

do livro sagrado

caga a mosca.

A muitos toca

a solidão

de um vulcão.

Um fio de cabelo dourado

cai leve

como o desejo.

Reflectido na água

o passado sorri

até num dia cinzento.

“Dantes”

diz olhando o copo

vazio.

Na companhia das pedras

duram

as vidas imóveis.

Pintam-se de sol

as folhas –

fim de verão.

Turku, Verão 2020

 

Em dois sítios vi quadros do pintor Mark Rothko

Em dois sítios vi quadros do pintor Mark Rothko

Foram sempre pinturas com duas ou
três grandes manchas quadradas de
cor ocupando todo o espaço da tela

Em São Francisco vi o No. 14 no topo a
vida do laranja vai-se enxaguando pelas
bordas no castanho incolor do fundo e na
parte abaixo um acompanhante azul soturno
celebra a pesada gravidade do quadro

Em Londres vi nove mais lúgubres
Seriam para um restaurante nova-iorquino
não fossem os tons tão pesados
o pouco contraste das camadas

Não sei de arte nem de mim para saber
porque gosto dos quadros do Mark Rothko

Há outros em que sei olhando as formas
desenhadas há o desenlace está algo para
ler e saber algures entre a moldura e depois
decido mas estes são poemas muito crípticos
o desafio que devia derrotar a minha literacia
e que talvez o faça estando eu no chão com
a náusea da ignorância olho para a parede e
rio-me muito enternecido muito agradecido
o laranja sobre o azul mais escuro o que será
o que ainda poderá ser porque nunca foi
nada e nunca ninguém o soube mesmo

Disseram que o pintor Mark Rothko era um
expressionista abstracto e que ele rejeitara
a classificação eu acho que estava assustado

Elogio da Incerteza

Jackson Pollock, n.º 8, 1949

Jackson Pollock, n.º 8, 1949

Contra o pensamento dogmático, a tirania dos estereótipos, sugiro a audácia da incerteza. Por exemplo, Roland Barthes à linguagem massiva, a da ideologia, opôs uma linguagem modelada pelo discurso amoroso, simultaneamente declarativa, hesitante e fragmentada. Da linguagem ideológica, compacta, imperativa, estéril, doentia, preenchia de utopias vingadoras, teve Barthes consciência numa viagem à China comunista, momento em que conjurou a sua visão marxista-leninista da década de 50. Na de 70 dirá: “Eu quero viver segundo a nuance” (Je veux vivre selon la nuance), daí o apreço superior pela literatura, “mestre das nuances”, guardiã da pluralidade, oposta às simplificações, sectarismos ou maniqueísmos.

Seguindo esta visão – ética e funcional – do mundo, sonho com um discurso que não se imponha e, ao mesmo tempo, seja capaz de dissipar a linguagem ideológica, essa cartilha feita de dogmas que muitos companheiros, às vezes com estranho prazer, ainda seguem (é fácil, para os menos inquietos, viver segundo sentidos pré-definidos, embriagados pelas próprias crenças). Uma linguagem arrogante, que Barthes definia assim: “Reúno sob o nome de arrogância todos os ‘gestos’ (de palavra) que constituem discursos de intimidação, de sujeição, de dominação, de asserção, de soberba”.  (Curso no Collège de France, de 20 de Maio de 1978, sobre Le Neutre)

O mundo ficará muito melhor quando, como queria Albert Camus na Peste, soubermos conciliar indignação e lucidez. Mas aceitarmos também, sem fingimentos ou concursos de tolerância para inglês ver, que “A civilização europeia é antes de mais uma civilização pluralista”. (Camus, conferência em Atenas, 26 de Abril de 1955) Princípio que permite preservar a multiplicidade das opiniões contra a dominação de uma verdade única (que só pode ser impostora). E com isto também se pode descobrir, e praticar, uma certa decência ética, que Camus resumia assim: “Em nenhum caso insulto os que não estão comigo. É a minha única originalidade.” (Dialogue pour le dialogue, 1949)

Pratique-se a vertigem horizontal da linguagem (foi assim que Jean Genet chamou à linguagem de Jacques Derrida), usando todas as nuances possíveis, aceite-se a incerteza, hesite-se o mais que se puder. Tenha-se altura de onde se possa cair, os dogmáticos são sempre rasteiros (mas sem profundidade).