Lobo Antunes quer morrer na praia

A “crónica” de Lobo Antunes para a revista Visão de 26 de Novembro de 2015 evoca, e, até certo ponto, invoca, três dezenas de génios literários, fá-los emergir de mausoléus para nos dar a conhecer os heróis que o inspiram, uma selecção mundial de escritores. Lá estão os portugueses Herculano, Garrett, Antero (génio e santo), Fernão Lopes, Camões, Sá de Miranda, Bocage, Bernardim, Zé Cardoso Pires (o amigo, com quem conversava sobre o que agora escreve), um pouco de Pessoa e de Pessanha; lá faltam os Saramagos e companhia (que em vez de nadarem de corpo nu na água usam botes de borracha para chegarem mais depressa, e sem esforço, às ilhas bem-aventuradas). Lá estão os russos (quase todos, excepto Tolstoi, mas a concorrência é fortíssima e Lobo Antunes prefere escrever a partir de “um puro nada” do que fiar ideologias libertárias nas páginas em branco, sem tempo histórico, para aquecer revoluções); os clássicos de Roma (Virgílio, Horário e Ovídio, “puros milagres”); o irmão desaparecido Faulkner; os poetas Victor Hugo e o seu “L’ombre est noire toujours même tombant des cygnes”, Apollinaire, “Pitié pour nous qui combattons toujours aux frontières / De l’illimité et de l’avenir”, Lorca, René Char; mas também Cervantes, Beckett, Goethe e até Deus.

Convocar tanta gente, todos vivendo, enquanto a máquina democrática do corpo quis, 6000 pés acima do mar e dos homens, desenha, com certeza, um gesto de homenagem, mas compõe também um baile de máscaras, com Lobo Antunes a fazer-se passar por todos eles, alteridades-mesmidades, o outro-eu. Um baile de amor-ódio (“É terrível competir com esta gente mas é necessário competir com este gente.”) que no final da noite, quando a fealdade se transmuta em beleza, aos olhos cansados e narcotizados dos abandonados, traz a revelação: “é preciso que a gente sofra para o leitor ter prazer”.

Um sacrifício pelo leitor mas também para alimentar uma relação agónica com os donos das máscaras. Lobo Antunes repete a necessidade, mistura de vaidade e impulsos vitais, de se confrontar com os maiores, de os ultrapassar, não a partir de um arrivismo medíocre, parolo, mas porque “Talvez não haja nada melhor que uma gloriosa derrota” (“errar, errar melhor”). No final: “Quase lá, a centímetros do que quereria dizer, olhando a areia em que não chego a tocar […] de boca aberta, sem olhos e, no entanto, vendo.” 

Granfondo: Não é fado normal

Vinha no balanço por intervalo e quando a canção começa a crescer então alguns de nós batem palmas, outros procuram o rosto de um amigo não muito longe, queremos perceber o chegar da música e como bate e como começa a ficar a música em cada um de nós, por isso mexemos e olhamos depressa, temos aquela sensação do amigo que passa perto e não acaba de chegar, mas vai chegando, e depois tudo se começa a baralhar e confunde, começam essas terras a mostrar onde a gente não está e onde se calhar nem sequer quer estar, lugares ao fim e ao cabo bonitos, ou lugares de que a gente pode gostar, lugares fora de lugares, lugares bons, e a intuição mete-se gorda connosco e começamos a dizer ou a pensar que aquilo não é normal, ou primeiro pensamos muito fundo cada um de nós e depois dizemos como segredo, muito baixinho, nos pés da fala ou da falinha como aquele amigo disse, que isto não é normal, que não devia ser assim, que a guitarra vai por um sítio maluco, que faz até um estremecimento no corpo tipo navio, como se a gente andasse embarcada mas só de noite, nas horas do dormir e do esquecer, ainda que às vezes só desejemos dormir tão depressa quanto possível, por gumes uma viagem, e voltar a um dia parecido no dia seguinte, com coisas próximas e vizinhas, a música às vezes também faz isso mas por mais tempo, durando-nos muito mais tempo, ao ponto de acreditarmos ser possível retomar o passado todo ele num achado momentâneo de entusiasmos, quando crescem em nós emoções até então de pedra e compreendemos que algo em nós tinha começado a mudar, mas quando?, quando começou isto a ser diferente?, e depois sossegamos e voltamos a pôr as coisas nos sítios e revemos as coisas assim paradas, notamos certo cansaço e sentamos ao lado das coisas, e então aqueles traços rijos do passado voltam a desaparecer, quase sempre de forma violenta e imperceptível, e ainda corremos para os alcançar, fechamos os olhos ou erguemos o rosto e por momentos julgamos poder recolher uma ou outra imagem, mas não, acabamos por esmorecer e alguma coisa nos distrai e queremos sair à rua ou apreciar uma comida abundante, passar um disco que há muito não escutamos ou fazer as tarefas lá de casa, e tudo isto porque a música fez um gesto diferente ou nós ouvimos diferente, como nunca, como jamais nos fora possível, até porque esta é sempre a primeira e única e irreparável vez de todas coisas, e a música chega de um lugar sem nome mas à espera de nome, e a música fica, a música vai ficando em todas as casas e todas as músicas, e batemos palmas, poucas, só para começar, queremos ouvir por dentro do som e tocar onde só a cor nos permite por momentos poucos momentos morar, subir um bocado da montanha e montar ali a casa, a casa que é para sempre, a casa que vamos fazendo um pouco por todo o lado, e morar ali em silêncio, ficar sempre no silêncio dessa música tão estranha que não se cala nunca, a música também é uma casa, pensamos, portuguesa poesia, o teu corpo também é casa, e quando juntamos mãos e braços também estamos a crescer casas, e gostamos de pensar nisto, acreditamos, já podemos sorrir uns com os outros, tocar ombros, avançar por onde queríamos ir e que depois estragou caminho, fazer força para que a malta esteja bem, querer envelhecer perto e cada vez mais perto mas não ficarmos só nós, certo calor de sermos nós a passar uns pelos outros, dizer aquelas coisas que temos guardadas para dizer, falar forte, falar da gente, e chega o momento em que já lá estamos, temos coisas à volta, ou não temos nada mas estamos, e começamos a ligar um pouco menos à música, já andamos um pouco mais dentro da música, perguntamos, reconhecemos, pedimos perdão, temos tudo pela frente, olhamos aquele sítio de longe e só então percebemos que é um fado normal. 

una forma de arder, 3

INTRODUCCIÓN AL CONOCIMIENTO A TRAVÉS DE LA OBSERVACIÓN DE BEBÉS

¿Por qué tiene que avanzar el amor?
¿Avanzar hacia dónde?

Zadie Smith

 

tengo una relación abierta con la maternidad
y no porque sea madre
o haya estado embarazada alguna vez
la gente se guía demasiado por la observación y la
          experiencia
como los positivistas
que creían que se puede separar la religión de la
          educación
yo no creo en eso
yo creo que ser madre
es como atarte con cadenas a la roca del optimismo
y nunca
nunca poder liberarte de él
aunque no puedas moverte mucho
te ahoga una confianza imperecedera
en que las cosas van a salir bien
siempre
las madres como sísifos
encadenados a un futuro de piedra y plomo
por esas dos palabras:
nunca y siempre

Ana Llurba, 1980. (Córdoba, Argentina). Desde 2008 reside en España. 


una forma de arder é uma selecção de poetas espanhóis, ao cuidado de María Mercromina. Ana Llurba é a terceira poeta da série. 

O novo governo e a arte

Picasso, Autorretrato, 1972 (cera sobre papel)

Picasso, Autorretrato, 1972 (cera sobre papel)

Emerge um novo governo, e a cultura voltou a ter um Ministro. Parece bom, veremos. Mas talvez a justificação esteja mais no facto da Cultura ficar com a RTP (os seus milhões e o seu poder de alienação) do que numa vontade séria de apostar neste campo da realidade, se fosse esta a vontade mais genuína, então teria sido nomeado alguém mais próximo do mundo da arte. 

Diz-se que Picasso se revelou finalmente no auto-retrato que pintou em 1972, quando já estava acima de qualquer interesse na recepção, quando já podia procurar-se para lá da maquilhagem que ele e outros colocaram, para esconder imperfeições e amplificar perfeições, com certeza, mas sobretudo para se adequar à genialidade que projectava para si mesmo. 

Da mesma forma, espero que João Soares, novo Ministro da Cultura, saiba mostrar-se como é, agora que tem quase a idade de Picasso quando pintou o Autorretrato, para que possamos dizer-lhe o que pensamos, na admiração e na crítica. 

De qualquer forma, com a prudência de um certo pessimismo, penso que Vladimir Nabokov tem razão ao afirmar: "O problema é que nenhum governo, por mais inteligente e humano que seja, é capaz de gerar grandes artistas, embora um mau governo possa certamente importuná-los, opor-se-lhes e suprimi-los." (Opiniões Fortes

P.S. esta citação também serve os optimistas.

The New Experience

Los individuos nacidos en los tiempos líquidos rendimos culto a lo “new.” New look, new body, new style of life, new city, new friend, new job y new experience.

Los constructores de la globalización neoliberal se han esmerado en transformar los arcaicos modelos de identificación local y global. Para pertenecer al modelo, para sentirse individuo y no caer en la invisibilidad social, cada uno de nosotros debe rendir culto al change: no conformarse con el mismo trabajo, ni la misma pareja, ni las mismas aficiones, ni residir en la misma ciudad o casa.

La clave está en el deseo de cambio constante. La rutina y la comodidad son sinónimos de arcaísmo, de atraso cultural. Los buscadores de new experience consideran que la felicidad radica en la cata constante de nuevas sensaciones. La ética de la sociedad de consumo de productos, personas, ideas y experiencias acelera los procesos de renovación y de obsolescencia para introducir el consumo de tiempo y ocio en una espiral sin salida, una droga que exige una dosis cada vez más frecuente. El modelo de vida líquida, basado en la movilidad permanente, rechaza la permanencia o la perdurabilidad por tratarse de elementos inútiles para la producción de experiencias new.

Para tener acceso a la new experience hay que pertenecer al exclusivo mundo de los privilegiados de la mundialización. El principal marcador que diferencia las élites financieras de la pobreza hipotecada no radica en la posesión de bienes, si no en todo lo contrario, en la capacidad de deshacerse con facilidad, en la filosofía de desechar productos incluso antes de su adquisición y en la apremiante necesidad económica de cambiarlos por otros, más new que los anteriores.

Quedarse obsoleto, anclarse a una ciudad o a un puesto de trabajo, se considera un fracaso, la entrada directa al defenestrado grupo de los parias. El poder del siglo XXI se mide por la capacidad y libertad de movimiento, no por el control del territorio. La inmensa mayoría de la población mundial no tiene pasaporte o VISA de crédito para salir de su tierra y lanzarse a la cultura del mestizaje, de las new experience, de las bodas indígenas, la meditación oriental, la danza tribal, la moda étnica, los ritmos salvajes, las prácticas ancestrales, etc.

Las experiencias híbridas que practican las élites se han asentado como modelo óptimo de producción cultural -¿cosmopolitismo?-. De entrada, han acabado con ideales como la estabilidad, la rutina, la seguridad, el anclaje a un territorio, el cobijo familiar y las costumbres locales (convertidas en folclorismo turístico). La capacidad de buscar la individualización a través de lo new marca la diferencia entre los que están en el centro, en movimiento, y los relegados a la permanencia.