Porque canta um pequeno coração: novo livro de José Pedro Moreira

livro.jpg

NOVO LIVRO | Col. Mutatis-mutandis, #13


O próximo livro da não edições chama-se PORQUE CANTA UM PEQUENO CORAÇÃO, com poemas de José Pedro Moreira e capa/desenhos de André Ruivo.


Este é o #13 volume na Colecção Mutatis-mutandis e estará em pré-venda exclusiva na Feira do Livro do Porto, a partir do próximo dia 6, com a Flâneur.

/// pedidos também via nao.edicoes@gmail.com ///


Aviso: Este livro contém, entre outras coisas, generosas doses de presunto curado sem o uso de nitratos acompanhadas com Horácio, aparições não autorizadas de Thom Yorke, um tratado metafísico e geológico advogando a causa terraplanista, o furto de uma piada dos Monty Python que o autor consegue sanear de qualquer humor, o esboço de um guia turístico para uma ilha desabitada, a morte de Augusto, uma versão de bolso dos mandamentos do mestre Miyagi, alguns conselhos amorosos, e a recomendação de alguns videojogos com que os leitores poderão ocupar a sua solidão quando os conselhos amorosos falharem. Efeitos secundários poderão incluir irritação da alma, o desejo de férias e o ocasional sorriso. Se os efeitos persistirem, por favor consulte o seu exorcista.


/////////////// do livro: http://bit.ly/34afNTa

«as fontes pulsam / como se tivesses levado / uma pancada na cabeça / e um zumbido anuncia / um novo estado / de hiper-realidade / regressas / a um mundo árido / óbvio / vês / três jogadas à frente / sordidez e vergonha / ainda assim persistes / em anotar os números / fazer os cálculos / convertendo / em livro-razão do teu vício / o caderninho de infância / onde anos antes / à margem dos detritos / da mais grandiosa / guerra intergaláctica / sonhaste que um dia / um pequeno coração / poderia cantar»

////////////// do autor:

José Pedro Moreira nasceu em Lisboa, 1983. Vive em Oxford. Publicou traduções do AGAMÉMNON de Ésquilo (Artefacto Edições, 2012) e de Catulo (juntamente com André Simões, Livros Cotovia, 2012). Um dos fundadores e editores da Enfermaria 6 (www.enfermaria6.com). Em 2018 publicou o seu primeiro livro de poesia, GATOS NO QUINTAL.

"Poema" de Frank O'Hara

schifano-with-art.jpg

Poema

Luz claridade salada de abacate de manhã

depois de todas as coisas terríveis que faço quão maravilhoso é

encontrar perdão e amor, nem sequer perdão

já que o que está feito está feito e perdão não é amor

e já que amor é amor nada pode dar errado

embora as coisas possam tornar-se irritantes aborrecidas e prescindíveis

(na imaginação) mas nunca de verdade para o amor

embora a um quarteirão de distância te sintas longínquo a simples presença

muda tudo como um químico entornado num papel

e todos os pensamentos desaparecem num estranho e calmo entusiasmo,

Eu não estou certo de nada para além disto, intensificado pela respiração

*

Poem

Light clarity avocado salad in the morning

after all the terrible things I do how amazing it is

to find forgiveness and love, not even forgiveness

since what is done is done and forgiveness isn’t love

and love is love nothing can ever go wrong

though things can get irritating boring and dispensable

(in the imagination) but not really for love

though a block away you feel distant the mere presence

changes everything like a chemical dropped on a paper

and all thoughts disappear in a strange quiet excitement

I am sure of nothing but this, intensified by breathing

Agradecimento a Joseph Frank

há anos atrás
vi-me
numa situação
desesperada
segui
durante muito tempo
um caminho
que achava bom
o do aluno diligente
que faz os trabalhos de casa
e não falta
a muitas lições
e de repente
onde devia estar
o meu futuro
encontro
um poço negro
e o peso
de contas por pagar

os trabalhos
escasseavam
e acabavam sempre
no silêncio
depois de mais
uma entrevista humilhante

era verão
e eu sentia
que toda a minha vida
tinha sido
um enorme desperdício

fiz então
o que costumo fazer
quando me encontro neste estado
voltei-me para Dostoiesvski
tinha comprado recentemente
Dostoyevsky
A writer in his time
de Joseph Frank
e os meus dias caíram
numa rotina
de manhã
ia à praia
nadava
até deixar
de sentir o corpo
e de tarde lia
a biografia de Dostoievski
isto durou uma semana
no final da qual
eu recordara
(envergonho-me
por admitir agora
por escrito
que alguma vez
o tivesse esquecido)
que o valor de um ser humano
não é determinado
pela sua função
num determinado sistema
e que uma vida passada
a ler bons livros
é uma vida
bem vivida

era
um homem feliz
tanto quanto se pode ser
naquelas circunstâncias

ao ponto de procurar
o endereço
do Professor Frank
e de começar
a escrever uma nota de agradecimento
por aquele milagre
de mais de 900 páginas
ao mesmo tempo
iluminado
e escrito
com o arrebatamento
de um romance de Dostoievski

nunca terminei o e-mail
o Professor Frank
é um homem ocupado
quem sou eu
para tomar o seu tempo?

ano e meio depois
a minha vida
tinha dado uma volta
mudei-me para outro país
arranjei um emprego
que não era
demasiado desagradável
quando vi no New York Times
o orbitário de Joseph Frank
não sei muito sobre o homem
94 anos
espero que tenha tido
uma vida boa

gostava de lhe ter escrito então
mas quanto a isso
não há nada
que possa fazer agora
para além
deste poema

Vestido Vermelho 

 Nunca serás aquela loira de vestido vermelho a desaparecer na distância 

Como uma brisa fresca, apesar dos quase quarenta graus atenienses, 

Nunca terás todos os nomes possíveis, nem serás a manic pixie dream girl 

Que o tempo desfez, ama-se mais a ilusão que a verdade, 

Nunca te vi de vestido sem estares toda cinzenta, uns minutos e depois, 

Não tu,  um sol impossível nos metálicos invernos nórdicos, 

Nunca serás o que te sonhei, mas a culpa dos sonhos é de quem os sonha, 

Não de quem com um olhar, planta ilusões, que crescem em vazio, 

Maior ainda do que antes da semente, nunca serás aquela loira de vestido vermelho, 

Porque os filmes acabam sempre antes do roer das unhas se entranhar nos nervos, 

Antes do nome carregar toda a frustração e desprezo que os pós-créditos trazem, 

Se se esperar tempo suficiente, nunca serás aquela loira de vestido vermelho, 

Mesmo que tenhas sido aquela loira de vestido vermelho, mesmo que isto 

Quase seja um poema de amor, que nunca será, porque tudo uma vela curta, 

Numa noite de incêndio. 

 

Atenas 

 

09.07.2019