A Paciência da Saudade
/- Os últimos sete dias de Leonel Palma? -
De P R S
Domingo,
Ainda não é hoje que me mato, está decidido. No próximo Domingo, talvez.
Esta semana é o fecho do mês, a empresa precisa de mim. Aproveito e vejo o jogo do Benfica esta madrugada. Sim, não faz sentido morrer hoje.
Extractos de uma das últimas páginas do meu diário, a oitava a contar do fim. O meu nome? Leonel Palma, o último português residente em Macau.
De facto, apenas residia. Não vivia, não desfrutava nem saboreava. Apenas dormia. Todos os dias apanhava o ferry para trabalhar em Hong Kong e voltava na mesma noite.
Os chineses ignoravam a minha existência e os portugueses tinham partido, sem avisar. Apenas tinha um amigo, em Hong Kong. Um enfermeiro no posto fronteiriço que verificava a minha temperatura com um medidor laser em forma de pistola. Dia após dia, apontava, sorria e disparava.
Tinha decidido morrer alguns anos antes. Num passeio em Macau, quando ainda havia portugueses, por um cemitério protestante. Uma frase na pedra: “Charles Principal, devoto apaixonado pelos prazeres da vida, vencedor de jogos de fortuna e um artista com fé inabalável. Morreu de disenteria num navio em 1818.”
Não protestei, percebi o que era mais importante. O meu legado na pedra, não a vida. Que frase me iria suceder? As paredes de minha casa estavam repletas de opções, nenhuma ainda completa. Talvez por isso ainda não tivesse morrido: palavras ausentes mantinham-me vivo.
Tenho uma semana, escrevo a frase e parto.
PS: Espero que o Benfica ganhe.
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