João Miguel Henriques lê dois poemas do seu último livro
/João Miguel Henriques lê dois poemas de Panónia (Enfermaria 6, 2021)
«Por intermédio das palavras que flutuam à nossa volta, alcançamos o pensamento»
Friedrich Nietzsche
Pai, ontem choveu
e hoje choveu ainda há pouco.
Contudo está quente.
Deve vir um bom Outono de cogumelos.
Pai, em breve dão as notícias da noite
e a sauna está pronta.
Pai, regressa ao meu sonho.
Dar-te-ei pão, queijo
a bagas,
irei buscar água à nascente.
Pai, deixa-me practicar ainda.
É estranho estar assim insensível.
Bem se realmente
queres que me confesse
que assim seja:
eu tive
trinta e seis amantes.
Sim, tens razão,
é demasiado.
Trinta e cinco teriam chegado.
Mas amor, o trigésimo sexto
és tu.
Amantes oferecem um ao outro reinos,
novas pátrias, continentes e raras línguas.
Quando se separam, os presentes permanecem-lhe,
são irreversíveis
E o seu amor permanece neles
como literatura, habilidade na língua,
poemas e histórias
que eles juntos compuseram
na língua de cada um.
Assim o amor torna o mundo mais amplo,
assim, mesmo no seu desaparecimento
dá à luz paz e compreensão.
Novos corações se abrem,
há um pouco mais a partilhar
com os amantes seguintes.
Eeva Kilpi
Livros, filmes, ideias.