Cai com estrondo a noite

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Cai com estrondo a noite na lezíria, os joelhos em sangue, as mãos lanhadas, a hemorragia no seu corpo insepulto. Há urgência e sobressalto nos bichos, correndo espavoridos, enfiando-se nos antros, nas luras, nas covas, nos covis, escondendo-se debaixo das pedras, dos ramos caídos, do lodo que a enchente arrastou e o sol apodreceu. Uma última ave, perseguida pelo ocaso, desce sobre o rio levemente chamuscada. Uma toupeira fareja o ar irrespirável e recolhe à sua toca. Um gafanhoto salta para um talo derradeiro, que oscila contrariado. Furtivo, um furão atravessa a estrada e insinua-se na erva rasteira. Voltejam os morcegos em seus madrigais satânicos. A aragem detém-se um momento e prossegue, meio tom abaixo, num bemol lúbrico. Insones, as cigarras marcam o compasso numa estridência dissonante. Ao agudizar-se, cessa o desespero. Cessa a esperança na noite exânime.