who’s y’r fav’rite poet, man?

1

Tantos poemas lidos
que em vez de sonhar contigo
tive um sonho esquisito.  

Interrompendo um poema meu tão bom
que nem mesmo em sonho eu podia acreditar
Jack Kerouac saltava de um trem
e perguntava num inglês de bêbado
who’s y’r fav’rite poet, man? 

Conquanto ele rejeitasse com a cabeça
qualquer pensamento que ocorresse
ousei triunfante responder
it’s you, sei lá por que. 

Bobo desejando os cumprimentos
menti ao poeta tentando agradar, 
mas com olhos de anjo ele disse you lie – 
you know and ev’rybody knows: 
y’r fav’rite poet is Rimbaud. 

2

Nesse sonho talvez
Jack Kerouac conhecesse
os velhos sonhos com Rimbaud.  

Soubesse que ficávamos calados  
os dois num barco ébrio
deitados à deriva no mar
e o silêncio era tão inspirador
que por nada se ousaria interromper.  

Nem mesmo para depois
poder gloriosamente dizer
palavra por palavra do que ele falou.  

jacinta na lavanderia

lavar a estátua do menino
lavar a sexualidade nula e a nula pressão em congregar-se à pedra
assim
como lavam os sonâmbulos
como o ar levanta voo  
nulo  
mas menino nulo
lavar o queixo com o paninho e o sabão
a mornura que não se dissolve
entre os testículos
se molhassem-se os buracos do narizinho
ordenhando fungos
a saudade dos telhados
da vez em que irá nascer o cogumelo serpenteado  
átrio
ventrículo
escápula
é de anjo o menino nulo
é de asas
umas orelhas de deus
inda o sexo se redesenha partindo dum bico de pássaro hiato
imensas palavras douradas são para todo o sempre quase nada
e alguns movimentos de panos atestam
forte flexibilidade entre
ser menino o sexo nulo
entre
existência e a outra coisa que não há de ser
o banho que lavra
uma tristeza ou outra
tua arca de cinzas e o caibro entre os dentinhos imundos
a esponja que passa
o pano
a esponja e o pano quantas vezes tiver de ser de passear
há essa sujeira em formato de ramo atrás da orelha de tudo sujado de anjo
de quem vê onde ouve onde anjo
faz intervalo o vento de ouvir
e o anjo e o anjo e
estará a mordida   
a música
não a trombeta nula
mas o anjo
sua órbita
sua oleosidade em asas
sua obediência como patinho obediente
sua obediência em asas
amanteigadas: quem lava o anjo lava o porco flechado

flechado  
lavar o peixe
banhar o bicho
sujar as mãos da coisa onde vivia a junta das articulações infamadas
outra a tarefa a negar-se pelas sombras das outras
tarefas que são
eu digo
da indústria das folhas-de-flandres
alcançar aos cicios
orações
uma pequena misericórdia rasgada nos recifes que sobram à licença
como eu queria banhar o cavalo
mas o peixe
o peixe aberto
o peixe desabitado e cão
o peixe dado a passarinho moído
de intensões passarinhas
moídas
infamadas
e lavar
banhar
ter
a faca ao lado
a faca outra pousada no vestido
uma dúzia de moscas com perguntas nas molas dianteiras
é ágil cada pergunta e ágil cada resposta
é peixe não é peixe
é banho é olho e é outro olho de peixe
lavar o peixe tanger o bicho
boas escamas dariam boa casquete na cabeça da baianinha que chora o peixe
Bartolomeu ferrado
diz
Bartolomeu ferrado
de quantas linhas se ferra até se foder
passa a carriola com mais dos meus e a menina se sacode
facinho verificar
amontoado de Bartolomeu
harmonia e fedor tudo igual na harmonia
de novo
se fodeu Bartolomeu
queria lavar um cavalo
banhar a crina o rabo a gengiva
mas é que nada me tira da lavoura infamada
nem a baianinha
conhece juntar vontade pra dar de dar certo
queria porque queria banhar o rinoceronte atolado

atolado
banhar o acordeom
arquear e
banhar o monstro de dentro do acordeom
o monstro que olha e que vê e que namora a mentira
banha-o
que respira quente
tão quente o monstro
sem confiança
com algum mérito
que a demência comendo pelos cantos das mãos
em transvariação
o céu e a esponja
é como é 
exatamente como banhar o acordeom
que a ordem é fixa
e quem banha é quem lava
e quem lava é quem mora na fuligem do ato
junto às bolhas
quando inarredáveis
afagos
dos de leve
bolhas
quando dispersas desesperadas
afagos
dos de bruto
fica flexível o arrepio e o fuso entre os sentidos
ai
tange
tudo de vielas na cara de quem lava
tudo o tanto de vielas na cara das mentiras lavadeiras
tudo de prostitutas nas pernas de quem
as luvas já não prestarão
serão como ferro serão como feno serão
o monstro estará vivente e parco
mais sujado que coisa sujada
desabotoando o vestido da mandrágora entre os filetes de gentes

de gentes
nada suaviza o encargo da boneca japonesa
nem a familiaridade com o sabão
banhar em água de saco de vime
de saco de papel e de saco
aponta o farol e lava
no seguimento de escamas não haverá de erros
há a luta e há a luta que flutua antes da boneca
seus bracinhos junto ao dorso
o dorso ao monte
onde o sabão não vai
nada vai
nada suaviza
nada como dizer de rochas cruas
sexo reto e pronto na caixa de vidro
detrás da seda pintada de línguas persuasivas
feiuras no meio e em torno
nada suaviza
assim burlesca
a boneca
assim burlesco o gesto
largar os dedos e sofrer com o cabelo
ter o nome que se diz em boca miúda
porém dura
fastidiosa
lavar os pés da boneca
lavar o branco escarnecido
nada suaviza
banhada e desaguada
a sonolência redonda-quadrada
vermelha-amarela
secreto amado vibrante
na caixa de vidro
de onde nada suaviza a caricatura correnteza

a caricatura correnteza
eu vejo caixas de vidro em aguaceiros
coçam-me os teus pés no molho
paixão

Após outra conversa em que Louis McGuire e eu falhamos em adivinhar a senha

 

                     Outra manhã
            tardia, destas manhãs
                  que vêm tarde
                      por nossa recusa
            em permitir que o sol
                  dê fim à noite,
            manhãs tardias de noites
                 temporãs, aguadas a vinho
            em nossos milagres minúsculos
    ao transtornar em vinho a água
            em meio à poeira
                de nossos quartos
               com aluguéis atrasados
  e pós de toda ordem
                  sobre os móveis
   quando na penumbra gratuita
       de nossas cortinas puídas
  chegamos, em nossos colóquios
         de bêbados honestos,
                          não a um cerne
       mas a um consenso
      de verdade, uma crença
                  qualquer nossa,
          debates repetitivos
             no roteiro trivial de novela
      em que as reviravoltas
      dos beijos na testa
                  são
     as facas nas costas,
                  e tentamos fixá-la,
     essa verdade a varejo,
         torná-la uma coisa
   que se pega com as mãos,
            como estes isqueiros,
    estes cinzeiros que transbordam
            enquanto esvaziam-se os cálices,
             se ao menos
      encontrássemos a sequência,
       a sequência certa de palavras,
  artigo que siga substantivo e verbo,
              que é o dizível que nos importa,
            uma sentença feito reza
                      que a torne reiterável
      amanhã e depois de amanhã,
             tão reiterável quanto este sol
     que arde fora das cortinas puídas,
                  a sequência de palavras
       que faça deste consenso
                  de verdade temporária
         uma parte da penumbra
             e a ilumine,
                          enquanto engatamos
             a noite à manhã e a manhã à tarde,
                           intuindo
             que deste acordo
                     talvez
        dependa a inauguração
                  de um calendário novo,
      e bracejamos ao falar
                         um ao outro
         “eu sei o que você
                          quer dizer”
               na barafunda de vocábulos
                     que desperdiçamos
           com a boca nessa busca,
                mesmo sabendo não
                haver sem
                    o dizer o saber,
               nessa emergência
            de compreensão qualquer
               da catástrofe
            individual e coletiva
        que parece iminente,
                    e desejamo-nos ao fim
                sorte
                   ao sentirmos o pó
          acalmar-se no sangue
                 e resta tão-só a poeira
       a irritar as narinas, os pulmões,
              quiçá em vez próxima
        quando engatemos vez outra
             a noite à manhã e à tarde
                e notemos essa verdade pairar
         no ar feito a gripe
            que tão frequente nos acomete
       e nos deitemos na cama
                         com os ácaros
            e busquemos de novo
   feito porcos num abatedouro
                   esta pérola
         inteligente e inteligível
    que sempre nos elide,
          no chão lúcido
                 da manhã que não cessa
      de nos querer moer,
            esta senha que se esgueira
     e escapule, código
              que abra a saída
                   dos fundos
              ou detenha
    estas engrenagens, leitões
                  bêbados, honestos,
        guinchando meias-verdades
               sobre o pó

clichês de um convalescente

“minerais duram. mover-se espalhando a mancha:
move-se isso em vida, congela-se em foto, durante.
o sol cutuca o seu ombro lembrando um relógio,
antigo, ele mesmo, o sr. sol de frutos vibrantes.
usar força e vigor no máximo, velas bruxuleiam,
que sejam velas e derretam cera, a rígida moleza.
certezas calcificam mal, e a água empedra a areia,
que amolece, granula e se desfaz, sopro ou vento.
deuses sorrindo em mármore, deuses polidos
da falsa brancura ancestral de engolir as cores
no vazio da eternidade: eles sorriem imóveis. 
a pequena ferida faz de nós gemidos, filoctetes.
nenhum assombro: o sopro divino tem sua data
de vencimento, conferir na embalagem. sofrimento,
sede, as lutas contra tempestades de areia neste ―
dizemos ― deserto (e dunas, de fato, são nádegas)”.

tsantsa

a cabeça encolhida
assusta o respeitável
                normal
que pensa em ossos
estranhos ossos
em “onde o cérebro”
e bem mais importante
sempre
em “como”

tabuletas pequenas respondem
ervas e fervura, taninos
cinza de carvão

a cabeça encolhida
sorri com lascas de palmeira
grampeando os lábios

na verdade é um sorriso imbecil
mas vamos dizer que o humor
da cabeça encolhida
é mais sutil que o dos
peixes de aquário
diante dos quais
o respeitável boçal esboça
bolhas pela boca