"O homem que sente o calor das pedras"
/O homem que sente o calor das pedras
Que pisa de seu não tem nada,
Ainda vive, sonha. O homem
Sonha e o calor das pedras
Limpa a noite dos livros.
«Por intermédio das palavras que flutuam à nossa volta, alcançamos o pensamento»
Friedrich Nietzsche
O homem que sente o calor das pedras
Que pisa de seu não tem nada,
Ainda vive, sonha. O homem
Sonha e o calor das pedras
Limpa a noite dos livros.
O homem que se olha ao espelho sabe
Que vai morrer. Não sabe quando ou como,
Mas reconhece a finitude da vida
– Da sua vida, de cada vida.
Contempla o processo biológico
E admira-se perante o zelo do tempo
A modelar-lhe a velhice no rosto.
O homem que se rendeu,
Calado, calado
Se alimentou das vozes
Dos outros. Sabe,
Este homem, do ruído da fama,
Sabe das palavras,
Coisas simples postas a jeito
Para dizer que calou
E sabe
Tudo quanto deixa por dizer
Com a sua voz
Na de outros. Calado
Reconhece, entre murmúrios,
A sua própria rendição,
Mas não a diz.
O homem que acena ao longe
Reconhece a demora e espera
Ainda que veja nada mais além das sombras.
E fala enquanto acena, diz
O que entre riso e memória lhe escapa,
Talvez dor ou sono, homem parado
Longe, insistindo na fragilidade de um gesto
Repetido. E quando fala não lhe escapa
O que pensa: «pode a morte resvalar
Para mais tarde, mais fundo, revelar-se
Teatro na cave do mundo, cena
No escuro, longe do centro?»
Livros, filmes, ideias.