pele de cervo

estalam os olhos escuros,
no incrível escuro sozinhos,
onde rasgam a bala o caminho.
é bela a estrada da neve no azul de metal.
céu, céu, e quantas estrelas o sabem?
pele de cervo, suas patas se agitam
ao sentir a tensão
na paisagem.
                      pressente inocente animal
faca de mão trinchadora, o segredo
dos homens armados. as faixas de sangue
pintam o branco, a mente uma página em branco
no horror de mesas metálicas,
no frio solitário das facas.
                     pele de cervo, tremor sob os músculos,
ruído nenhum escondido no vale,
o seu último sopro em cena,
crianças se escondem minúsculo.
céu, céu e estrelas brilhando,
                     brilho de pontas, cinco brilhando,
doze se contam no céu aureolado,
e cheira a churrasco o seu riso.
quem compra, a que preço de sonho,
o maior pesadelo? correm perdidas no medo,
pressente inocente animal.
pele de cervo, o que foge
e nunca reage: o céu, no escuro sozinho,
tímidas patas no estranho caminho.
céu, céu e as estrelas, distâncias astrais,
                     a mesa do frio,
neve e orvalho, bocas de sangue no azul.
crianças se curvam minúsculo, nuas
órbitas abrem, e o banho.
                     pele de cervo: o escravo, o estranho.

Pequenas variações sobre a queda

O território sagrado do seu corpo
Adentrar
O território sagrado do corpo,
Claves em direção ao fetiche
Gozo múltiplo de formas em redondilhas
Curva imperfeita para a esquerda –
manter-se à esquerda é sinal politico
De polis
A cidade citiada com o fogo
Calmaria sobre lençóis emaranhados
Poderia ser Sade,
mas é apenas lira sentimental pós-moderna
Tudo é volatile
Mas o desejo não.
Muda,
Dentro do território sagrado do seu corpo:
I'm always falling up inside your head

O território sagrado do que lhe despedaça a carne.

*

I'm always falling up inside your head:
Acertar o fundo a ferida
Cair um pouco mais
Sentir o peso do corpo
Que pende para o solo.
Queda frágil
Cair
Cair
Cair
O solo detém o que sustém

Passos na direção de um corpo em queda livre
Não desvencilhar-se do desejo
Que range o tremer do solo que o recebe
Um pouco mais fundo:
Dentro e seco
Adentrar
O território sagrado do que lhe despedaça a carne;

Always falling up inside your head.


Arquifono

E disse
Gaiaku Luísa: 
– […] 
nos confins
do Bitêdo, 
onde Malê 
Seja Hundê, 
roça de cima, 
estirava-se
rente a cerca
um facho
de fumo de corda, 
frutas
e litros de vinho
em reverência
aos índios. 
Enquanto no Ilê 
Alabassé, a visão
de um babalaxé 
de Gbessém, 
a grande píton… 
Em névoas
os portos
de onde vem: 
se Congo
ou Mina's Coast, 
Angola
ou Aruanda: 
África ecográfica
de amefricanos. 
Trabalhadoras
da Suerdieck
perceberam: 
O Ifá Dó 
– Irôko! 
Lokosis, 
Temi Aguessis
Bô Omin, 
e em Nagé,  
ainda tem
O Humpaime
Dahoméa… 
E quando
Odé Kojá, 
no peji
aos pés
do atin
– árvore
sagrada – 
no mato, 
na gruta, 
no buraco
oculta
um segredo, 
ou na I.B.M, 
no Ilê Iyá 
Nassô Oká, 
em Salvador
(não importa! 
onde o talabí 
toque o canto
para Gbéssem, 
Obaluaiyê e
Xangô. Eles
vêm…Chegam
até o abassá, 
no runtólogi, 
ou até no Ilê 
Ibecê Alaketu
Axé Ogum
Megegê, 
em Alapini, 
Azon Lepon) 
– : Arotô Seji, 
Obaluaiyê, Omolu, 
enquanto yalodé 
canta egungun
e olunda (erê), 
dança Obaluaiyê 
com folhas de imbaúba
nas mãos e palhas
nos punhos
enquanto Xangô 
aproxima-se do otá 
(ao mesmo tempo) 
Aganju Ominazon Didê 
atravessa o Riacho Capivari.


hay no lobos

“Raoul Silva/Anton Chigurh: A vida se agarrou a mim feito uma doença.

“Now another one bites the dust
Yeah, let's be clear, I'll trust no one
You did not break me”

(Elastic Heart – Sia)

 

a taxidermia é uma arte
um processo
por meio do qual procura-se preservar
animal
durante muito tempo
o mais difícil é a expressão
o olhar
que se quer
que tenha o animal
como é difícil aprender animal
crescer animal
e é por isso que considera-se a taxidermia
uma arte

outra história e outra terra é

e seu movimento cabal
não
é ter um mais velho que a conceda

o pistão de abate
serviço ágil e muito mais pneumático
empalar memórias
claquete que dá no meio
ata esperas e últimas falas
que é que vem depois de

mas nem conseguiu terminar de contar o próprio sonho

e como
é que se conta batidas
de coração nos dedos depois
que decepam-se as mãos
e nos

ah
a gente vai caminhando
aí lado a lado

só a praxe
mesmo

pega aí com os seus nos meus metacarpos
só pra ir andando mesmo

no
country
for old man

conhecer animal
como é difícil

degradar os homens sem perturbá-los


Dois poemas

Temos braços
e com eles, desenhamos uma linha aberta
no ar

O silvo do vento é íngreme
e inclina as chuvas para dentro

Deus tem postura de Deus
mas os homens pouco sabem
sobre o que é isso

Também há o som que
habita no gosto das palavras

E em nós

E nós que de tão juntos
nos descobrimos mais estando em Um

Nossos braços abraçam e afastam
E
Só o são porque vivem a liberdade

Nossos braços que abraçam e afastam
Cortam as ações pelo gesto
E o gesto é presença em nós

__ 

Nossa voz é uma rua larga
onde não adianta olhar para todos os lados. 
A travessia é o perigo. 

 

Poema Victor Prado e Aldovano Barbosa

Page Break

para Ana de Araújo

No campo, as manhãs se formam


No campo, 
as manhãs
se formam

Isso já foi dito, 

Mas novamente: 

No campo, as manhãs se formam como
pequenos adornos que as crianças carregam
por ai

Pequenos brinquedos, esses nossos
velhos dedos: tão sóbrios, tão retilíneos

Distantes dos rizomas, do
líquido viscoso da vida, 
do orvalho, da
coisa bêbada como o vento

Essa dança é uma espécie
de sistema hidráulico
Essa curva é um ritmo verde

Mas a mula sempre empaca
ou
O caminho sempre exige, em sua
rigidez, outras chegadas

II

O fedor da casa antiga, 

igual o da pele a muito presa
dentro do gesso, 

sempre acha um canto, que respinga
tranquilo nos encaracolados das plantas

III

Trabalhosa estação, pronta
a ser onda brava: 

Mãe que dá sua benção
a cria que logo adormece: 

Essa casa erguida no primeiro Sol
Ereta e rija, 
Mas também aberta

IV

A natureza observa

E atua

Tão cotidiana quanto um milagre.