Dois poemas

Temos braços
e com eles, desenhamos uma linha aberta
no ar

O silvo do vento é íngreme
e inclina as chuvas para dentro

Deus tem postura de Deus
mas os homens pouco sabem
sobre o que é isso

Também há o som que
habita no gosto das palavras

E em nós

E nós que de tão juntos
nos descobrimos mais estando em Um

Nossos braços abraçam e afastam
E
Só o são porque vivem a liberdade

Nossos braços que abraçam e afastam
Cortam as ações pelo gesto
E o gesto é presença em nós

__ 

Nossa voz é uma rua larga
onde não adianta olhar para todos os lados. 
A travessia é o perigo. 

 

Poema Victor Prado e Aldovano Barbosa

Page Break

para Ana de Araújo

No campo, as manhãs se formam


No campo, 
as manhãs
se formam

Isso já foi dito, 

Mas novamente: 

No campo, as manhãs se formam como
pequenos adornos que as crianças carregam
por ai

Pequenos brinquedos, esses nossos
velhos dedos: tão sóbrios, tão retilíneos

Distantes dos rizomas, do
líquido viscoso da vida, 
do orvalho, da
coisa bêbada como o vento

Essa dança é uma espécie
de sistema hidráulico
Essa curva é um ritmo verde

Mas a mula sempre empaca
ou
O caminho sempre exige, em sua
rigidez, outras chegadas

II

O fedor da casa antiga, 

igual o da pele a muito presa
dentro do gesso, 

sempre acha um canto, que respinga
tranquilo nos encaracolados das plantas

III

Trabalhosa estação, pronta
a ser onda brava: 

Mãe que dá sua benção
a cria que logo adormece: 

Essa casa erguida no primeiro Sol
Ereta e rija, 
Mas também aberta

IV

A natureza observa

E atua

Tão cotidiana quanto um milagre.