A condição humana

Inverno. Interior. Noite. Uma tristeza extra-large. A voz gravada anuncia, através dos altifalantes, que o tempo vai acabar. Repete o aviso em várias línguas e depois começa a soar Mittwoch aus Licht de Stockhausen. 
Estou sentado na cadeira disciplinada de um avião. O som moribundo da máquina ocupa grande parte do meu campo visual. Uma longa sala de espera flutuante. Filas intermináveis de cadeiras e passageiros sentados, higiene e geometria postural, anjos com uma enorme capacidade de resignação. 
Uma hospedeira de bordo, muito aérea e decotada, aproxima-se de mim, inclina-se, deixando entrever a força e o argumento da sua amabilidade. Oferece-me uma demonstração gratuita do seu sorriso profissional, pergunta-me se está tudo bem, se preciso de alguma coisa, e por fim deseja-me boa viagem. 
Uma senhora de idade está sentada ao meu lado. Olha indisfarçavelmente pela pequena escotilha do avião. A julgar pela fisionomia de ave frágil e pálida, não parece portuguesa. Não parece sequer real. Tem um sorriso pendurado nos lábios. Ignoro a causa que a pôs a bordo da sua derradeira viagem. Seria de muito mau tom, aliás, questioná-la a respeito da sua própria extinção. Mas não resisto a perguntar-lhe para onde tão alegre e insistentemente está a olhar. Lá em baixo, down there, aponta com o indicador esguio e enrugado através da pequena janela do avião, the human condition, a condição humana.