tsantsa

a cabeça encolhida
assusta o respeitável
                normal
que pensa em ossos
estranhos ossos
em “onde o cérebro”
e bem mais importante
sempre
em “como”

tabuletas pequenas respondem
ervas e fervura, taninos
cinza de carvão

a cabeça encolhida
sorri com lascas de palmeira
grampeando os lábios

na verdade é um sorriso imbecil
mas vamos dizer que o humor
da cabeça encolhida
é mais sutil que o dos
peixes de aquário
diante dos quais
o respeitável boçal esboça
bolhas pela boca

o sentido da vida

longas pontes altas como um aqueduto romano
não levam a lugar algum
mas uma locomotiva saltando de dentro
de um relógio
                 ou as franjas cristalinas mar-movendo
                 finalmente entre os dedos dos pés sim
 
não se passa um laço nos dias
florista num buquê de flores
que não pergunta se para um enterro ou uma garota
e aperta o papel colorido e o plástico
como a gravata a garganta
 
                        e quando sentirem nesse momento ideal
angústia a solidão de corpo de barro cozido
prestes a se partir e ir de volta ao molde
segurem os chapéus senhoras e senhores

fais-toi une cuirasse secrète

armaduras no castelo     no museu
na feira de antiguidades     armaduras
no cinema saem voando    outras presas
sob a pele calcificam em algo rijo 

o visor é um ponto fraco   as axilas
a virilha e as dobras do flectido movimento
não são inteira proteção     cobrir-se só
é inútil como um tanque sob espada samurai 

umas pesadas    outras leves    elegantes
armaduras de desfile ou de torneio
onde põem fitas multicores   adereço
venusino que compõe a antiga alegoria
marte amante      a proporção 

duram armaduras mais que os homens
que as vestiram     mas que triste condição
porém não esta que cresce como espinhos
sob a pele    esta cota   fina malha   de mithril 

bem menos que um adorno      bem mais
que o tigre altivo     como um elmo de pavor
a fúria do leão que em neméia se calou
hercúlea caça     sua couraça     [a ironia] 

o protegia      mas foi ela que o matou

a ponte de einstein-rosen

tempo é desconfortável:
verde-água percutido de ouro,
gaivotas se bicando
por postas de peixe no mercado,
caixas de madeira-balsa em pilhas.
tempo não flui congestionado,
seja no pulso, na estação de trem,
no último momento de relance em que
eu vi seus olhos: não flui.
carros descem a avenida,
pneus são cachoeiras ao ouvido,
luzidio porta-torradas de prata
jaz na rica mesa recém-posta
e palavras holandesas se misturam
a frases francesas no café
e eu tenho uma colher
e a espuma forma uma galáxia
no centro da qual está o tempo,
dobrando-se diante de mim.
velho néon intruso em nosso quarto
pobre, provisório, nesta noite
em que leio os lados de seu corpo;
mãos nas rochas da cidade,
pés no limo de outra sob a sombra
daquela torre vicentina, a sorte
do azul dos olhos, protegido.
pego o tempo na ponta
dos dedos, ou da mente?
se contorce , uma minhoca 
já sem terra, já sem lisa pele
que deslize úmida, cilíndrica.
desconfortável: pouco tempo
em nossas mãos. um sopro.

produtos da roça a 8 km, estrada pro rio de janeiro

montanhas amarrotadas 
             perto da estrada de ferro enferrujada 
galpões abandonados 
             com grama rasteira crescendo 
                                  como num braço 
galinhas ciscam na terra vermelha 
               velha comanda o facão do garoto moreno 
nas folhas de bananeira 
                fumaça em casebres de pintura naïf
                cavalos comendo no cocho 
vacas deitadas espiam a estrada 
                 motel de caminhoneiro 
                            junto do posto de gasolina, a câmara furada 

esta é a trilha da terra 
                   onde se planta arame farpado 
onde chovem insetos e resmungam 
                    os postes de fios eletrificados 
onde o mato corre queimado 
                     para a beirada da guia na estrada 
onde sulcos nos montes 
                         parecem feridas 
e flores despencam no lago 
              onde bebem os bois malhados 

ergue-se um manto musgoso 
abre-se um veio montado em concreto 
               aos borbotões de água e das chuvas 
lagos pequenos, lâminas de prata 
                ou borrados de barro 
tingindo as patas brancas do gado 
                  caixas d’água e antenas, poços abertos 
                         um deserto cercado 
                                 de branco caiado 
declive na serra onde a névoa 
                   puxa as nuvens pra baixo 
como a fumaça de cigarro 
                    se do nariz pra boca 

pedágios não recolhem 
               parachoques arrancados 
nem chifres nos beirais da rodovia 
               secando roupas nos varais 
               quarando roupas sobre as pedras 
                       e o riso explode em barba espessa, melancia doce