Canção do Solitário
Oculto na harmonia é o voo das aves. Ao crepúsculo, em cristalinos prados violados pela corça,
sobem glaucos bosques às cabanas silenciosas.
Débil na escuridão é o rumor das águas. E as sombras húmidas
e as flores do verão são tangidas pelo vento.
Esplende na noite a cabeça do homem pensativo e a chama ténue do decoro arde no seu
coração.
Serenidade da ceia; porque o pão e o vinho estão sobre a mesa às mãos de Deus
e o teu irmão contempla-te do silêncio nocturno dos seus olhos, descansando das aflições do
caminho.
Oh, era uma morada celeste na medula da noite.
Nos quartos, engolidos pelo silêncio em haustos de ternura, a sombra dos antepassados, os
martírios fulvos,
o lamento piedoso de uma estirpe que se extingue com o seu último descendente.
Das negras horas da loucura, em umbrais de pedra, desperta mais radioso aquele que sofre,
e é cercado com força pelo azul do orvalho, pelo resplandecente declinar do outono,
pelo sossego da casa e pelas lendas do bosque.
Eis a medida e o preceito, assim se ocultam os caminhos
daqueles que se afastam na desmesurada paixão da morte.
João Moita
- traição à traição de Antonio Gamoneda a Georg Trakl
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