Cisne

  “I keep on fighting against God

In such a dirty, cruel place”

                                 Björk

 

 

Se houvesse cetim suficiente,
que me cobrisse a cintura larga, eu 
seria um conjunto de penas brancas
esvoaçando num lago gelado da Islândia. 

Porventura teria cantado, depois de subir
as escadarias vermelhas ou, simplesmente, depois
de ser condenada à morte.
Preferia, sim, correr e cantar em cima de
um comboio em movimento
a ter de contar as desaventuras da minha,
inexistente, vida sexual. Estão a ver o pantanal?
Isso, mas sem nenhum animal,
sem onça ou bico longo. 

Pobre de mim? Não. Quero que se fodam
os Homens, que me desejam, e as mulheres,
que me evitam. Quero, sim,
 a liberdade!
Acima de tudo, poder cantar com aquilo
que me caiu em sorte e
não pensar muito. Deixo
o pensamento para
os que têm, realmente, tempo.  

Se o cisne, enrolado no meu pescoço,
cantasse a minha morte, eu
jamais seria este corpo. 

Neste cetim branco, ele canta
a minha invisível garganta.

ng-6de3606a-2c1a-4477-80c9-55d1af1849a2.jpg

Leda e o Cisne, Pompeia.

A MINHA CONA SABE A PEPSI COLA

“I know your wife and

    she Wouldn’t mind”

              Lana Del Rey

 

Sabes bem o que dirá a Lourdes das Couves
quando sair da Missa das 10h, depois de, com
aqueles olhos enormes de coruja velha, fo-
tografar toda a roupa vestida pela vizinha:
um sapato alto, novo, vermelho, que feio!
A mala era pele de tigre ou girafa e o pobre
miúdo era, entre todos, o mais mal vestido
!
Ir à missa sempre foi uma missão de risco,
encontrar beatas e puritanas que nunca
levaram com uma bofetada decente nas
fuças. Mas, enquanto há tempo há vida! 

Eu era a puta, a puta, porque não ficava
em casa, porque preferia sair e tomar a
maldita Pepsi cola que a cabra viu um dia.
A beata, Maria das couves, espalhou pela
Vila que eu bebia Whisky! Tinha, segundo
ela que participar na cartografia da rua:
quem saía, com quem saía, como saía,
que vestia, que comprava,
e não ficava
por aqui o relatório! “Grande vaca!” era
eu a pensar já na cama de Castigo, um
castigo imposto por uma mãe que lhe dava 

 ouvidos. Velhaca, não há palavrões que 
cheguem para lhe atirar, hoje, à cara.
A partir daquele dia nunca mais bebi
Pepsi cola! A minha cona deixou de ser
doce para o bico do marido dela, que
me cobiçava, feito Bulldog, quando eu
passava. Como rapariga rebelde que
sou, passei a beber do amargo Whisky!
Ser Puta, por meio copo, mais vale ser
Puta por copo inteiro. A grande Vaca!

 

                                              Barbara Stronger

                                                             04.01.2019

joan-crawford-pepsi.jpg

Joan Crawford & Pepsi

Barbara Stronger, Cabra bem cabra

 

Barbara Stronger

Cabra bem cabra

 

Poesia

Enfermaria 6, Lisboa,
Agosto de 2018
50 pp

 
 

Três desenhos da Carla Diacov
no Instagram: I – 14 de Maio, 2018


O primeiro desenho do mundo
nasceu, não da sombra do homem, mas
do ventre de Eva, quando esta
dava à luz Caim.

Suada em dor,
sentia o rosto entre os dedos com o
sangue do seu ventre.
Purificava os lábios e enchia o cansado
corpo de vitória:
vencera a morte pela primeira vez.

Despenteada, desfeita, tudo o que
tinha a oferecer era uma constelação
infinita no olho direito, aquele espelho
da História do mundo.

 
Barbara Stronger - Autorretrato. 11.06.18.png

Barbara Stronger

Nasceu em Toronto, em 1983, filha de pais emigrantes açorianos. Estudou Letras em Montreal e fez Tese sobre Paul Celan. Pinta Tondos Abstratos ao Domingo. Solteira. Lésbica e feminista. Vive atualmente no Porto, onde trabalha em part-time, no McDonald’s das Antas, para comprar Whisky e livros.