2. (2/3 poemas de Ana C. Joaquim)

2.

este poema é sobre três homens sentados
de repente um deles se levanta e 
diz que a ama: qual dos três?

ele volta a se sentar.

há neste poema três homens sentados
e o modo com que ela os observa com espanto 
(mas por que ela está espantada?)

entram neste poema 
dois outros homens 
eles rondam aleatoriamente
e esperam por uma cadeira vazia 

depois este poema acaba.

Terena

de azul e amarelo
riscam-se caiadas
as casas honestas
sob o sol alentejano

reverbera branco o calor 
abafo de luz onde rebrilha 
a cegueira curva
xisto coberto pela mole temperatura
das horas que desconfiam 
em vago ócio consumado

sobrolho franzido 
fixo
e outros esgares esquivos
não é amistoso 
o rosto agreste de quem ocupa
as paredes raianas 
destes lugarejos
parcos de forasteiros

1. (1/3 poemas de Ana C. Joaquim)

1.

quando se tem um amante é um inferno.
ele está todo o tempo lá.
ele aparece.
ele desaparece.
ele vai.
ele volta.
ele quer ver a sua amante de vestido vermelho.
ele pensa na sua amante.
ele escreve para a sua amante.
ele envia uma pequena biblioteca diabólica para a sua amante.
ele quer que a sua amante lhe diga uma palavra de amor.
ele quer fazer amor com a sua amante.
ele quer morder o pescoço da sua amante como se fosse um vampiro.
ele quer ver a sua amante sorrir.
ele quer escutar a sua amante.
ele vai dormir esperando que a sua amante pense nele.
ele vai dormir esperando as palavras da sua amante pela manhã
(quando ele desperta).
ele escreve sobre diabos que se vestem de branco.
ele promove uma tempestade no meio das pernas da sua amante.
(pode ser que a qualquer momento ele morda o pescoço da sua amante).
ele diz para a sua amante
que para o diabo o pior dos infernos é o melhor dos infernos.
ele diz que o melhor dos infernos é aquele de onde não se volta.
ele diz para sua amante que não tem medo do irreversível.
ele quer que a sua amante não tenha medo do irreversível.
a sua amante não tem medo do irreversível.


O perfil de Ana C. Joaquim pode ser lido aqui.

rebuscada e fina

rebuscada e fina
brilha barroca a filigrana
que pende em ouro
sobre o peito cheio 
do arfar forte
suspirante
depois da ladeira acima

uma gota suada
cansada escorre
pinga abaixo pelo colo
em esforço
da braseira mais pesada
a mão em riste bruta 
e farta arrepanha a pele
amparando assim a pausa
antes do próximo passo 
lento até à fonte


O perfil de Leonor Buescu pode ser consultado aqui.