12 Years a Slave

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12 Years a Slave não é um filme histórico, nem sequer um drama. É um filme de terror. O título diz tudo: 12 Years a Slave mostra-nos os 12 anos que Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) passou como escravo em várias plantações do sul americano, depois de ter sido raptado e antes de recuperar a liberdade com que nascera, para escrever o livro no qual o filme se baseia. Violinista profissional em Saratoga, Northup é levado para Washington, onde é aprisionado e lhe mudam o nome e a identidade, até ser transportado para New Orleans onde será vendido a um dono de uma plantação. Depois de um confronto com um capataz, Northup vê a sua vida em perigo, e o seu relativamente benevolente (para as circunstâncias) dono opta por entregá-lo ao dono de outra plantação, o bem mais aterrador Epps (Michael Fassbender).

 12 Years a Slave é realizado por Steve McQueen, o seu terceiro filme depois de Hunger e Shame. Tal como os anteriores, 12 Years a Slave é extraordinariamente bem filmado. O Sul filmado por McQueen é tão bonito quanto o que lá se passava era aberrante. Uma cena em que Northup é pendurado pelo pescoço numa árvore, à beira de sufocar, demora tanto tempo que é impossível não pensarmos, primeiro, no quão agradável à vista é o cenário, e como a brutalidade do que estamos a ver se torna ainda mais chocante pelo contraste. McQueen é um realizador lento, a câmara mexe-se devagar, como se nos quisesse fazer sentir que, como Northup, falta ainda muito tempo para sairmos dali. Quando, numa noite, Northup queima uma carta que tentara escrever à família, McQueen não termina a cena enquanto a chama não se apaga completamente, deixando o ecrã nas trevas. É aí que o filme nos deixa também.

 Nenhum dos anteriores dois filmes de McQueen me tinha agradado. De ambos fiquei com a impressão de que, a par da sua qualidade visual, estava um enorme vazio, a falta de algo a dizer. Hunger parecia uma exploração quase gratuita da greve de fome do seu protagonista (e do actor que a teve de simular, Fassbender), e Shame um filme motivado, na melhor das hipóteses, por uma tentativa pretensiosa de compreender a sexualidade humana, ou na pior, pela vontade de chocar o espectador com o que era mostrado. McQueen filmava o sofrimento, mas o sofrimento maior era o meu, a tentar não perder a paciência com os seus filmes.

 Em 12 Years a Slave, o estilo de McQueen encontrou um tema que lhe dá sentido. O sofrimento que mostra é gratuito, a violência que exibe é extrema, mas há um sentido para tudo isso: é a escravatura que é extrema, que é violenta, que é aberrante. O sofrimento que provoca no espectador não é o de aguentar um filme monótono, é o de estar a ver algo que é perturbador e real. A sua violência não está só nas chibatadas que mostra, nas feridas causadas pelo chicote de Epps, nas mães separadas dos filhos, no copo atirado à cara de uma escrava pela mulher de Epps (Sarah Paulson, uma das caras conhecidas de Deadwood que entra no filme). Está também – acima de tudo – na ideia de que seres humanos fizeram e fazem de outros seres humanos “propriedade” com a qual podem “fazer o que quiserem”, como Epps não se cansa de dizer; está na cara de Northup sempre que pensa que não pode dizer quem realmente é, que sabe ler e escrever, que não pertence ali, com medo de ser morto; está mesmo no fim do filme, depois de Northup ter regressado a Saratoga, quando milhares de outros escravos continuam ainda cativos.

Após ter sido raptado, Northup diz aos seus raptores que “quando isto terminar, irei obter satisfação deste mal”. Mas é impossível sair de 12 Years a Slave com a ideia de que Northup, tal como cantavam os outros senhores, obteve satisfação alguma.