Hermenêutica Simpatética

Portugal (como cabe tanta coisa e tanto tempo numa palavra?) não tem apenas um problema de produção de sentido, mas também de interpretação: necessita-se uma arte que capture a espessura, o peso, a incomensurável opacidade dos sentidos que definem a sua trama. Não uma metodologia mas uma simpatia, isomorfismo emocional: os intérpretes, como queria Nietzsche, devem ser pelo menos tão grandes – ou loucos (esta é a minha contribuição) – como aquilo que interpretam (referia-se à relação entre os filólogos clássicos oitocentistas e a paideia grega).

Além disso, para depois podermos disseminar as leituras simpatéticas, é urgente apostar num cubismo ou dadaísmo lógico e histórico, pensamento desformatado, atento aos sinais escondidos ou oblíquos, às contradições vitais, aos interesses narcísicos, ao messianismo do capital, ao medo das elites verem degradar-se os fios de Ariadne nepotistas, às crenças auto-referenciais cheias de reforços positivos...

Parece que não somos suficientemente loucos, nem parvos, para compreender a loucura e a parvoíce deste tempo. As narrativas racionais obrigam o nosso mundo a entrar em grelhas explicativas totalmente desajustadas. Não sei bem dizer porquê, mas prova-o a revisão permanente, e às vezes furiosa, das teses que querem apaziguar a angústia em que vivemos, (apontem-me uma explicação económico/financeira com mais de um ano de vida útil!). Existimos numa mistura de caotologia Dadá e de espírito de seriedade encenado por amadores medíocres.

Com esta nota, talvez faça jus ao que Bruno Frank dizia na primeira metade do século XX: “Três quartos da vossa literatura e toda a vossa filosofia expressam mal-estar.” Ou queira só tentar (bem incipientemente, diga-se) desmascarar a elite que foi ao baile de entronização da sua própria vaidade, revelar o embuste de meia-tigela que são. Ao contrário de outros clubes de poder, o seu cinismo, como refere Sloterdijk, não tem flores do mal, olhares frios e mortíferos ou, terceira via, fogos-de-artifício à beira do abismo. Preferem o betão/alcatrão, a burocracia, a vulgaridade da carneirada, a tagarelice, o carreirismo, pôr os filhos em colégios privados... Preferem-se a eles, numa roda estúpida movida pela auto-preservação e pelo auto-contentamento.