Niilismo 5/c.10 ambientalismo
/A jornalista e activista canadiana Naomi Klein publicou recentemente o livro This Changes Everything. Capitalism vs The Climate, mais um sobre questões ambientais, apelando agora aos cidadãos para lutarem contra aquilo que provoca o aquecimento global, construindo ao mesmo tempo uma sociedade mais justa.
[escrevo este artigo a partir do livro e de entrevistas da autora]
Naomi, membro da ONG ambientalista 350.org, teve a máxima consciência sobre as mudanças climáticas em 2009, quando encontrou a embaixadora boliviana Angélica Navarro. Esta diplomata compara a “dívida climática” (dos países do Norte) à da escravatura, pelas compensações, éticas, políticas e financeiras que devia ter originado.
Pessimista institucional, Naomi não acredita que os encontros e compromissos saídos das negociações sobre a égide da ONU façam qualquer diferença. A prova está nos resultados insignificantes do passado e no nível insuficiente de reduções de emissões que os governos levam para a mesa de negociações da Conferência de Paris. As propostas não conseguem manter a subida das temperaturas abaixo dos 2º C em relação à era pré-industrial.
É preciso, diz Naomi, mudar o paradigma suplicante de Copenhaga 2009, onde parecia bastar implorar a Obama e Merkel que salvassem o Planeta. Isso não aconteceu e frustraram-se enormes expectativas, dando origem ao chamado “síndroma de Copenhaga”. Além disso, aquele encontro foi minado, a partir do interior, por grandes empresas pouco interessadas na mudança do statu quo (Shell ou Exxon, e.g.). Por conseguinte, devem ser os cidadãos a ocupar-se do problema e das formas de o combater. Tanto mais que esta crise, a maior e mais irremediável de todas, tem a força catastrófica de poder mudar em profundidade a sociedade, vive-se uma oportunidade histórica de revolucionar o velho modelo nacionalista e classista. Há, como nunca, abertura para se pensar a criação de empregos socialmente úteis, democratizar o acesso à energia, aos produtos de primeira necessidade e aos transportes públicos, repensar o modo de funcionamento das cidades, o modelo antropológico do homem-trabalhador... Ou seja, desenvolver modos de governação socialmente e ambientalmente mais eficientes, respeitando sempre, como fronteira vital, os limites físicos do Planeta (o novo grande "princípio de realidade").
O livro This Changes Everything. Capitalism vs The Climate desconfia da economia privada se preocupar honestamente com as alterações climáticas, no entanto Naomi Klein não recusa totalmente a utilidade de se envolver, devidamente enquadrado (o que significa, “controlado”), o privado. E.g., uma taxa sobre a emissão de carbono pode ser uma boa ideia se for progressiva. Mas, como refere o climatólogo Kevin Anderson, continuar mais lentamente na via errada não é a mesma coisa do que entrar no caminho certo. Neste sentido, Naomi assume que as suas críticas são estruturais: o sistema actual de promoção do crescimento económico a curto prazo é incompatível com as limitações físicas do Planeta.
Tanto mais que para respeitar os vitais 2º C máximos de aumento das temperaturas é necessário deixar 80% das reservas de combustível fóssil onde estão. Não se pode queimar este carbono! Daí a necessidade de desinvestir, única forma de quebrar a lógica capitalista do “lucro a todo o custo”.
Daqui resulta um sentimento de impotência: como ir contra o discurso sacralizado do “crescimento e emprego”? Como se pode mudar, com a rapidez que os problemas ambientais exigem, consciências formatadas pelo consumo e a ética do trabalho como valor de troca, pelo prestígio social ligado à profissão e à posse de objectos reveladores de estatuto...? Não será ajuizado tecermos uma capa pessimista que esperando o pior ficará depois redimida com pequenas migalhas de soluções ou por uma menor intensidade da catástrofe? Não será preferível abandonar tudo e convertermo-nos em crentes da desgraça para fazer do Fim uma apocalipse que, à semelhança de algumas tragédias gregas, funcionaria como um Deus ex machina invertido? Numa palavra: não será melhor assumirmos um niilismo irredutível, correspondente ao tempo em que vivemos e à humanidade que somos?
Não! Também este pessimismo pode, voltando-se contra si mesmo, superar-se e desenvolver acções positivas. Naomi põe no título do livro This Changes Everything porque acredita num efeito dominó iniciado por activistas ambientalistas, que para ela são visionários de uma nova forma de pensar e construir a democracia, mais ligada aos cidadãos e menos à economia (que se fez política e moral) das grandes empresas e do lucro. Talvez eu seja menos optimista. Mas certos dias envolve-me a esperança de que o ser humano tem ainda reservas de outra humanidade, ou humanidades, o Homem ainda pode ser outro Homem (era esse o desejo de Nietzsche). Um ser diferente, mais igualitário e solidário, não especialmente centrado na sua espécie, mas preocupado com todas as formas de vida e o inorgânico que as sustenta, com as gerações futuras, esse bem que devemos a quem ainda nem sequer nasceu mas já faz parte do mundo, com a beleza e precisão de sistemas evolutivos que demoraram longos milhares ou milhões de anos a serem o que são, com o nosso vizinho mais próximo e com a possibilidade de um alienígena nos visitar e admirar-nos pelo que construímos sem destruir.