A taberna da aldeia

Queixamo-nos a Dimitri das nossas idas desgastantes à taberna da aldeia.

Vamos lá uma vez por mês para socializar, embora a aldeia só tenha velhos, oito velhas e dois velhos e nenhum goste de nós.

Socializar é importante e difícil, mas nós não somos bichos e perseveramos. Neste caso é particularmente difícil, a hostilidade é manifesta. Quando estamos quase a chegar ao largo da fonte, sentimos tanto medo que nos agarramos umas às outras para não cair. Dizemos boa tarde aos velhos perfilados à entrada da taberna, não ouvimos resposta, só sentimos o rancor.

Nós as três juntas não somamos nem de perto a idade da velha mais nova da aldeia.

Levamos sempre uma lista das coisas que fingimos precisar. Quando uma de nós tira o papel da bolsinha bordada e o estica para ler, treme tanto que faz pena às outras duas. O taberneiro nunca tem nada do que pedimos. A mais corajosa de nós, às vezes aponta para a coisa em questão que estamos a ver mesmo à nossa frente, mas ele diz furando-nos as caras com os olhar “já está vendida” e nós saímos de lá sempre de mãos vazias. Os velhos zelosos à porta confirmam que não levamos nada. O cão, de três patas e zarolho, rosna à nossa passagem, que é de longe a coisa mais simpática que nos acontece quando vamos à aldeia.

Dimitri o jardineiro sossega-nos e invariavelmente nos diz que é por sermos jovens e bonitas. Uma questão de inveja e ressentimento. Hoje, contudo, acrescentou: bem podiam retirar da lista das compras os tampões higiénicos. É uma afronta que fazem às mulheres idosas, como se para além da óbvia beleza ainda lhes quisessem atirar à cara a juventude perdida. Uma arrogância desnecessária. Claro que a taberna não tem tampões, porque haveria de ter, é uma aldeia que não precisa deles. E deu uma sprayada de água nas rosas.

Dimitri cuida das rosas e agora deu mostra de querer cuidar de nós, corrigir-nos os defeitos, aumentar-nos a beleza interior.

Chamei as irmãs para uma reunião urgente.

Podíamos nós despedir Dmitri? Era ele nosso empregado? Não tínhamos já chegado à conclusão que as rosas não eram nossas, mas delas próprias? Nesse caso, ele não trabalhava para nós mas para si mesmo, para sua satisfação pessoal, não sendo as rosas senão um meio de alcançar um certo grau de felicidade. Assim sendo, Dimitri perdia o estatuto de trabalhador, tendo de nos devolver não só o dinheiro que lhe havíamos pago ao longo destes anos como ainda acrescentar o valor justo por todo o tempo que tem usufruído na nossa quinta do prazer de cuidar das rosas. Um valor alto, obviamente, porque as rosas são de grande qualidade e ele retira alegria bastante do trabalho que faz. E se quiser continuar por cá terá de continuar a pagar. Deve querer. Mas virá como cliente, como alguém que frequenta um templo de meditação ou usufrui de um spa.

Feitas as contas descobrimos que Dimitri nos deve uma pequena fortuna, com a qual podemos saldar parcialmente a dívida ao pretendente da irmã do meio para que ele deixe de nos importunar.

Findo o plenário, a irmã do meio recolheu ao quarto agarrada à cabeça, a irmã mais nova ficou a olhar para o ar e eu saí para o jardim.

As rosas estavam impecáveis, direitas, firmes, com espinhos agressivos a proteger-lhes a beleza. Bem cuidadas, eram de facto a melhor coisa da quinta. Parti o caule da mais alta e com a corola gorda na mão, arranquei-lhe as pétalas uma a uma e deixei-as cair, manchando o chão de vermelho.

Se eu e as minhas irmãs quisermos atirar o sangue à cara de alguém, atiramos, ainda mais se for para atirá-lo a velhas ameixas secas, ventres murchos. Não viemos para o campo mais longínquo para alguém nos chamar a atenção. Muito menos um homem. Menos ainda um cliente.

Amanhã temos de fazer outra reunião para decidir quem irá dar todas estas novidades a Dimitri.