Casas e regressos - Yiorgos Seferis e Salvatore Quasimodo
/Tradução do grego e do italiano (respectivamente)
de Tatiana Faia
A casa junto ao mar
Yiorgos Seferis
As casas que tive tiraram-mas. Aconteceu
que eram desafortunados os tempos. Guerras exílios expatriados;
às vezes o caçador acerta nas aves migratórias
às vezes não acerta; caçar
era bom no meu tempo, levou muitos o chumbo;
os outros andam às voltas ou enlouquecem nos abrigos.
Não me venhas falar do rouxinol ou da cotovia
nem da pequenina lavadisca
que na luz traça a soma com a cauda;
não sei muito sobre casas
percebo que têm a sua própria natureza, nada mais.
Novas no princípio, como crianças de colo
que brincam nos jardins com as franjas do sol,
bordam coloridas persianas e as mais luminosas
portas durante o dia.
Quando o arquitecto acaba, elas mudam,
franzem-se ou sorriem ou enchem-se de ressentimento
por quem ficou por quem partiu
por outros que voltariam se pudessem
ou pelos que desapareceram, agora que o mundo
se tornou um interminável hotel.
Não sei muito sobre casas
recordo a sua alegria e a sua mágoa
às vezes, quando me é dado parar;
às vezes ainda, junto ao mar, em quartos despidos
com uma cama de ferro apenas e nada de meu
observando a tardia aranha, cismo
que alguém se prepara para chegar, que o adornam
de brancas e negras vestes e joias de variadas cores
e à sua volta veneráveis senhoras conversam com vagar
cabelos cinzentos e xailes de renda escura,
que ele se prepara para vir e despedir-se de mim
ou que uma mulher, pestanas tremendo, fina cintura,
regressada dos portos do sul
Esmirna Rodes Siracusa Alexandria
de cidades fechadas como persianas a escaldar,
com os seus aromas de frutos dourados e ervas,
sobe as escadas sem ver
os que adormeceram debaixo dos degraus.
Sabes as casas ressentem-se facilmente, quando as despes.
De O Tordo, Parte I, 1947
Os regressos
Salvatore Quasimodo
Piazza Navona, de noite, deitado de costas
nos bancos em busca de paz,
e os olhos traçando retas e volutas em espiral
uniam as estrelas,
as mesmas que seguia quando menino
estendido sobre os seixos em Platani
silabando ao escuro as preces.
Debaixo da cabeça cruzava as mãos
e recordava os regressos:
odor de fruta a secar nos varais,
goivo, gengibre, lavanda;
quando pensava em ler-te, mas devagar,
(eu a ti, mamã, num ângulo na sombra)
a parábola do pródigo,
que me seguia sempre nos silêncios
como um ritmo se abre a cada passo
sem querer.
Mas aos mortos não é dado voltar,
não há tempo nem sequer para a mãe
quando a estrada chama;
e eu partia outra vez, trancado na noite
como a quem de madrugada dá medo ficar.
E a estrada dava-me canções,
que são de bagos que crescem nas espigas,
de flores que embranquecem as oliveiras
entre o azul do linho e os narcisos;
ressonâncias nos redemoinhos de pó,
cantilenas de homens e estrépito de atrelados
com as lanternas que oscilam escassas
e têm apenas a claridade do vaga-lume.
De Águas e Terras, 1930