Mestres e sinos partidos: sobre «The Master of Petersburg»

 

‘I am far from being a master,’ he says. ‘There is a crack running through me. What can one do with a cracked bell? A cracked bell cannot be mended.’ A frase, dita pela personagem de Dostoievsky em The Master of Petersburg, captura uma das características mais difíceis de definir com precisão sobre os romances de Dostoievsky, um peso metafísico que define as personagens e as suas acções. Isto é uma nota possível sobre como o romance de J. M. Coetzee transporta o universo dos livros de Dostoievsky para um romance sobre Dostoievsky.

O romance centra-se num episódio da biografia do autor, o suicídio do jovem Pavel Isaev, filho adoptivo de Dostoivesky, de quem ele se torna único guardião após a morte da primeira mulher, Maria Isaeva. Muita da reconstituição biográfica do romance depende provavelmente da monumental biografia de Joseph Frank, Dostoevsky: A Writer in His Time.

O centro da acção é o processo de luto. Dostoievsky viaja de Dresden para São Petersburgo depois de receber a notícia da morte e depois de Pavel já ter sido sepultado. Aparentemente, não há muito que Dostoievsky possa fazer além de visitar a sepultura, recolher os pertences do filho e regressar a Dresden. Dostoievsky isolado no seu luto, oculto em São Petersburgo para não despertar a atenção dos muitos credores deixados para trás, Dostoievsky a tentar reconstituir os passos de Pavel, a tentar conhecê-lo o mais verdadeiramente possível, fora da sua perspectiva de pai, recuando até tentar entrar na perspectiva de Pavel.

A narrativa do luto de Dostoievsky não é uma narrativa de perda. Não é sobre consolo, resignação, substituição. É sobre a luta contra a dor. A dor que não se pode converter no substituto de Pavel. E Dostoievsky tenta puxar todos os nervos de que ela é feita para que também ela comece a bombear vida. Quando os críticos da tragédia grega tentam descrever como ela não oferece consolo mas fortalece, é disto que falam. 

De onde vem o peso metafísico nos romances de Dostoievsky? Não é uma coisa exterior às personagens, embora elas o projectem para fora de si até ele se tornar tangível nas suas vidas. É uma parte do que elas são, que contagia inevitavelmente tudo o que elas fazem. Uma espécie de compulsão que não pode ser evitada.

Todas as coisas que podiam redimir Dostoievsky falham, todas as coisas em que ele podia encontrar consolo: o amor de uma amante, descobrir o que aconteceu a Pavel, a evolução do seu pensamento político, sexo, o futuro na Rússia. Todas estas coisas se vão convertendo em outros tantos aspectos do seu combate com o luto. Como arrancar o corpo de Pavel sepultado numa ilha debaixo de neve e trazê-lo de volta à vida: estes são os termos em que Dostoievsky escolhe perseguir o seu luto.

No fim é o amor a Pavel que salva Dostoievsky. Não aquele que está com ele no princípio, quando ele regressa a Petersburgo, mas o que cresce a partir do fim, quando nenhum dever se pode contar como redenção. Nesse sentido, The Master of Petersburg é um romance sobre os limites do amor. O livro de Coetzee ensina-nos que eles não existem.