O Homem de barbas grisalhas

O homem de barbas grisalhas, crespas  pela humidade do suor, dos passos chegados da viagem, entrou na taberna. Tirou um banco de uma mesa de madeira e sentou-se, observando em redor, a cela ocupada por homens - todos eles finíssimos exemplares de mediocridade. Alguns não eram mais do que avestruzes, com incontinência urinária e escassez existencial. Inflamavam-se orações tiranas ao sabor de ginja, dos rosés, e água ardente. O homem de barbas grisalhas rodou o corpo, dirigiu-se ao balcão e pediu, num tom grave, o chamado vinho de mesa. Espreitou os bolsos das calças de linho manchadas de tristeza, a apalpar o dinheiro e encontrou três migalhas de pão. Com um gesto medido deixou as esmolas de pão, ali, naquele balcão barrento e chegaram não pombos, mas animais necrófagos atraídos pelo odor da morte. Essa (a morte) adiantou-se, e veio ver os homens podres dentro da cela. O grito dos corvos, o som do ar assombrado debaixo das montanhas, penetrou nas grades ferrugentas da taberna; por entre o ar e a luz difusa, uivos cruzaram risos zombeteiros. Subitamente a floração do luar, pálido e frio. Não saberiam dizer, mas todos sentiram a passagem da inquietação vinda das trevas, e na manhã seguinte urinaram sangue, para espanto das lavadeiras do rio de águas puras e cristalinas.

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