ao condensar-se em terra

“O chão começa a chamar
as formas estruturadas
faz tanto tempo. Convoca-as
a serem terra outra vez.”

(Carlos Drummond de Andrade)

 

ao condensar-se em terra
o corpo
vence a ausência 

prenhe de coisas que
- despidas –
a vida deserta

saciando a sanha da
memória
com fome de silêncio 

(mas pode também o corpo
brotar do sal
ajuntar-se em flores 

circundando assim uma casa
estéril
com seus jardins carnais) 

medindo o peso de seus
nadas
em largas balanças de ar 

(ou construir horizontal
em véus
suas reminiscências líquidas 

estirando no leito as margens
ocultas
 do fixo que caminha)

no jardim abandonado

a Francisco De Matteu

no jardim abandonado
de calmas alvas
camas almas
o passo preto
repousa sobre a neve

o calor a consumir-se
o frio a possuir espaços
vazio virando vozes

terras escavadas
e o túmulo aberto a encher-se da chuva

em San Francisco teus olhos adormecem
o abismo do teu filho em teu colo
e os longos negros pelos dos cavalos

rubrocéuseco
the wind whispers what could have been warm

dentro de cada máquina escorre o sangue dos empregados

 Ernesto von Artixzffski, aka Sergio Maciel

 

dentro de cada máquina escorre o sangue dos empregados.
dentro de cada máquina escorre o sangue das empregadas, das mulheres e das fêmeas.
dentro de cada máquina, escorre o sêmen dos machos.
dentro de cada máquina. 

dentro de cada máquina há uma infinidade de pedras. 
dentro de cada máquina, há o choro das lâminas. 
dentro de cada máquina há o arrepio e o arrependimento. 
sempre dentro de cada máquina. 

dentro de cada máquina há ruas sem saída. 
dentro de cada máquina, há o cheiro dos mendigos. 
dentro de cada máquina, cai a neve esperada. 
dentro de cada máquina nunca nascerá nenhuma flor. 
dentro de cada máquina. 

dentro de cada máquina não cabe a lua. 
dentro de cada máquina, há divisões, cimento e dormitórios. 
dentro de cada máquina há sempre sirenes. 
dentro de cada máquina, cabe a noite e o peito devorado. 

dentro de cada máquina, o ar é fumaça. 
dentro de cada máquina, moribundos dormem sobre a ponta dos alfinetes.
dentro de cada máquina o banquete não sacia a fome de tantas bocas.
dentro de cada máquina não se faz sexo. 

dentro de cada máquina sempre haverá uma navalha para cada carne. 
dentro de cada máquina não existe a lembrança das coisas. 
dentro de cada máquina, há o pó, a pólvora e o fumo. 
dentro de cada máquina, sempre dentro de cada máquina, 
há insetos decrépitos, agrupados, abandonados e sós. 

mas apenas dentro de cada máquina. 

Dois poemas de Ernesto von Artixzffski

 Ernesto von Artixzffski, aka Sergio Maciel

Sobre minha casa arde a chama da possibilidade.
O jardim é incerto
e meu cão azul, sem razão, dorme ao pé da porta.
Tudo acontece aqui.
Meu quarto e minha sala estão no mundo.
Sou feliz e a flor da morte curva-se no canto do quintal. 

*

As sombras ainda giram,
na grama,
em torno das pedras.
O tempo não nos pertence mais.
O amor repousa sobre o fogo dos dias.
Quem era de acordar já caminha
— agora, tudo é sono.