Sobre a fisgada que a gente sente no peito ao ver o museu da nossa própria vida

Teus olhos lembram-me o natal
e todos estes teus dedos
de pontas
finas
compõem os traços
dos esquecimentos


2.
Várias linhas regulares
têm brotado em mim
e nelas reconheço tua terra

E de tua poeira
faço cântaros
que cheiram
a genitálias

E de tais genitálias
faço amores


3.
Teu solo é ígneo e fareja
o sangue no topo da carne seca

Epítome

Ela tem a idade das flores
e o vermelho dos dias
e o azul dos ventos

e todas as esquinas param
quando eu a vejo.

Nunca reconheci as distâncias
entre os tempos, nem fui ao mar
depois que minha consciência
se firmou sem as rodinhas;

Mas tenho praticado com afinco
a observação dos postes e suas luzes,
do amor das árvores com os fios de energia,
da luxúria de cada janela e da interminável
solidão das construções no horizonte
da cidade.

Tenho corrido com esses pés de pato
através deste lamaçal que é o agora.

Num instante, ainda a chegar,
a abrangência das portas assumirá
um caráter mítico
e tudo que tenho dito fará sentido
– e, então, será esquecido.

 

[ver perfil de Victor Prado]

ECDISE

1. 

em milagres faria intervenções

transformaria as perdas

em pedras palpáveis e membros fantasmas

em ambiguidades 

e logo cada caminho seria recrutado por determinismos

na época das moscas e aranhas

de observadores são os muros e os matos

de barulhos embrulhados permanece o ar

cada criança corre sua vida 

e se apressa no desmanchar do casulo

em desfazer seu ninho

no deslembrar de seu nicho

mas

os lobos guardam

caminham calmos

os lobos sabem empacotar vontades

2.

montanhas não existem por aqui

os rios cortam mais que lâminas

tu não és peixe nem anfíbio nem réptil

e esse teu coração pulsa nas mãos

pula

teu coração pula 

dele saem regatos por teu pulso

o centro de tudo é consequência

por isso generalizações se formam

3.

os quero-queros não representam anseios

mas insistem

não me representam

não insisto

na pressa os pés

e o leite

choramos a dor e o derramado 

no chão as coisas estão no mesmo plano 

mas existem coisas que não são coisas

assim como aqueles regatos insistem em sair por teu pulso

as horas veiam a presença

e embrulham o dia com jornais antigos

cozinham a existência em etileno

4. 

na minha continuidade as pausas são necessárias

pra remontar céus azuis de dias regulares

pra que o fio da meada não me perca

nas presas achamos pares

principalmente quando elas retiram suas fantasias.

Epifania 3

tudo que carregava era pouco. desse pouco, tudo era poroso. e essas frases em branco continuam a aparecer. próprias, conscientes de si e de sua abrangência descontextualizada.
me vejo andar. ando e me vejo andar. a consciência é mais forte que o fazer.
não é momento, nem passagem. não é um mito. nem um ritual. não é porra alguma.
as fendas se abrem.
eu caio, despenco: aceito.
te submeto. te encaminho. te mando pelos correios. por sedex. com aviso de recebimento e tudo mais. me despeço, despedaço. extravio.
desmantelo, e nem mesmo sei onde se encaixam as lacunas, os nós, os conchaves. nem mesmo sei o que é desmantelar.
entendo bem de inutilidades, desmoronamentos, laços, maquinações, permanências e substantivações.

o centro de tudo é consequência, por isso generalizações se formam na minha continuidade e as pausas necessárias remontam céus azuis de dias regulares. tudo isso para que o fio da meada não me perca como perco a mim em botões de repetitivas funções padronizadas e opções limitadas.
a gente é cópia. transmutação; sei a prática. nossa teoria é sombra embaixo dos pés.