Peso líquido

Inquilino na casa
Suspeita, me convenço
Aos poucos
De que, até ver,
Não terá isto passado
De palavras se jogando
À melhor de uma
Delas, a
Estraçalhando
Até perder os sentidos.

Se asseguram aqui
Serviços mínimos. Inventando
Afinal, formas e sinais
Vitais.

Pode
A tensão absoluta
Da verdade, espantar
A origem do olhar?

O engano a tracejado,
Sinalizado de invisível,
No limiar de toda expressão,
Disposto nas entrelinhas
Da coisa pensada.

A solidão não é flor
Que se cheire,
Nem se dá por ela
Ao olhar, é sim
A fria maioria de um
Coração claro
Partindo a direcção.

A natureza
Desta natureza, é imagem
Fora de forma,
Extravagante mão
Quase firme,
Em parte lume
Em toda a parte.

O erro, sério, ainda
Assim postiço, é implantado
Na boca materialista,
Beneficiando em vida, de algum
Corpo perigoso, intruso,
Com princípio
Sem fim.

Dirigido, o objecto
É parte do problema e
Padrão do hábito.

Alguém exagerou, assim
Dizendo, o lugar de olhar,
O lado sintético,
O grau contrário,
De tudo determinado.

Pouco mais longe é
Do motivo a disposição
Integral do texto
Entregue um nada
Aos impulsos da forma. Negativo
Aberto à mão,
No paramento da existência.

Não entra aqui
Luz natural seja
A hora qual ela for,
Em mim enfraquecendo
As paisagens.

Lábios armados
De inocência, residindo
À pele
Na longa multidão
De tons tentados.

Assumo. A intimidade do vocábulo
Repugna, dilacera o mais
Vulgar no espaço
Sóbrio do verso.

Percepções insignificantes,
Consequências
Da intenção.

Enquanto pedras, acreditamos
Para lá do mundo
Matemático. Nada
Pode ser verdade
Inquestionável.

O silêncio é um canto
Estreito, no conforto
Da rua. Vagueamos
Pela espessura mínima
Do céu, aos contrários.

Sobre a fé, há toda
A nomenclatura da neurose,
A negação
De todas as nações, um erro
Encantador. Com belas palavras
O medo canonizou
O perigo no mundo. O maculando
Impressivamente, de impressão
Digital.

Em mudando a hora,
É tempo de
Interrogar os vestígios
Desse animal
De pó. Há
Quem lhe chame
Instinto.

Um conceito entendido
Pelo objecto.

Sacrificava o destino por
Algum brinquedo herdado
De outra existência.

Em profundidade
Uma imagem sofre
Seu grão,
Seu encantamento
Ao ruído, aumentando
Sua obediência
À vida.

Um lume
De fracassos.

Inverter num Deus
Doentio,
A armadilha
Da sua forma
Exacta.

De insuportável grau,
O eco de um
Homem da música
Conformado pela
Sujidade das notas,
Se expressando por
Admirável degeneração,
Se tocando a si
Mesmo.

Estamos acordados para
O instinto
Do suicídio.

Os poetas
Podem mentir
Com as mãos,
Mas nunca sobre
A múltipla compreensão
Das condições adversas,
Sintagma climactérico,
Desta nova realidade
Proposta. Lançam pois,
Contra a ousadia
Da seriedade, a mais volátil
Das armas, dando sua palavra
De honra.

Cria

O meu coração está embrulhado num cobertor pequeno, de medidas iguais no seu contorno, em cima da cama que está no mesmo sítio onde a deixo todos os dias. É um quadrado cor de laranja onde cabe tudo o que é meiguice. Também um ursinho bonacheirão, que parece piscar o olho e sossegar-me. Que está tudo bem debaixo daquele pêlo, a que ele também pertence. Um quadrado animado pelo respirar da pureza, e do qual sai um braço para fora das suas medidas. Perfeito na sua miniatura de afago, e em que conto uma mão aberta para as borboletas que queiram entrar, pela janela que deixo aberta para a frente. Um amor grande num corpo ainda pequeno, que se ajeita conforme o vento lhe bata do lado esquerdo ou do direito, alimentando como água nascente aqueles caracóis que são raízes. De uma árvore quase acabada de plantar, mas que tem já todos os pássaros que quer a cantar para ela. Ensaio uma dança nos seus olhos, que irão abrir num instante, acompanhados de um choro que reclama beijos repenicados e bater de asas. Dos pássaros dela. Meus.

Emparedado

Construo os muros da minha solidão, apátrida. Quero ter para onde ir, quando se apagam as luzes todas. Vou-me governando, e só preciso de três paredes. As minhas costas, e tudo o que está para trás delas, são o suficiente para ser a parede que falta, para encerrar o espaço da minha prisão voluntária. Crio listas, tento não me esquecer de nada, desde ontem, de tudo aquilo que necessito enquanto não volto. Tapo as tomadas todas, quase para sempre, para me proteger da tentação da carne ligada à corrente. Hidrato-me, bebo de uma garrafão de água destilada e os meus rins agradecem. Neste espaço de paredes, tenho um caixote de madeira com um cheiro de fruta da época que já passou, apodrecida na memória. É a minha única mobília sólida, se não contar com os outros objectos. Em cima deste caixote, de lado, coloco o meu gato empalhado. Malvado companheiro, que desertou da minha vida antes do tempo. E não conseguiu sequer esconder um sorriso, ele que tinha as minhas paredes para o fazer. Mantive-o assim, sorridente, com três flores cada uma da sua cor secas, cravadas no seu corpo peludo. Sou um criativo moderado, que a minha mobília não me deixa muito espaço para imaginar outro espaço. O chão, sobra. De livros, também estou servido. Tenho aqui o Camões, para não me esquecer dessa outra pátria que é Portugal, e um outro sobre os segredos e as virtudes das plantas medicinais. Apanhei muitas nos caminhos, e ainda não sei para o que servem. Noutro canto, tenho um elefante pequeno, do barro que eu próprio moldei, com uma figura triste. Fica com a expressão virada para uma das paredes, a ver se a comove. Ainda uma imagem, que trago comigo dobrada ao meio. Coloco-a no centro do caixote, por cima de um naperon de renda branca. Esta imagem pode ser tudo, e é também a minha origem. É a fotografia do casamento dos meus pais, onde aparecem com as mãos fechadas um no outro. Há prisões que se escolhem.  

Exactamente uma hora menos dez pássaros

Ao segundo passa e se conta à boca fechada, sempre pela direita enquanto não houver outra distracção. Se sai desta localidade em linha recta, por carril. Se fundem paralelos, logo desaparecem do fim para o princípio de alguns veículos próximos de um silo estacionado na paisagem abandonada. Encostas barbeadas com a raiva do pulso que não sossega, até ver sangue por si escrito numa disposição seca. A sombra que faz uma arquitectura de passagem inferior à localidade, outra, apontamentos de usos e costumes publicitados na badana dos caminhos. Matéria descendente, o banco estreito se desagua ao lado de um tubo de queda gravítica. A solidão dobrada pela calandra pessoalíssima de cada uma das pessoas que, assim, se procuram pelo engano das lentes. O rosto dissimulado pela tampa de uma caixa de visita, impresso na profundidade de uma criança. Perturbação, azáfama de contornos. Construções em quartel. Complexo de bombeiro, uma piscina abandonada pela memória líquida. Volume preenchido, ao centro. Alto rendimento. O nome do atleta descalço por conveniência ao terreno que pisa. O corpo uma zona industrial desmantelada, a parte que pertence ao mar foge para um ponto longe. Reunião imóvel de sacos bem fechados, dentro se leva dessa cortiça expandida pelas lágrimas abandonadas para fora de vidros em movimento. Cobertura especificamente inclinada para fora, como está construída. Uma passageira em pessoa eleva-se, imperturbada pelo gesto próprio da resignação. Outra cobertura, sim. Se lhe enrugam telhas pela testa, em um lugar de cota prévia à catástrofe. Altimétrica, a maior parte de uma cor e o conceito de massa rotunda de pele em redemoinho. Pé-de-vento, estrada inclinada nuns graffiti brancos de habitação plural. Passagem, outra, inferior. A imagem de Cristo, urbano em oposição a uma colina. Incivilizado depósito de água, em altura, indicado por placas à margem da via rápida. Uma linha vermelha. Paragem. A alma em movimento se dissipa pela excepção de um homem que descansa o corpo da paisagem do lado esquerdo, as tatuagens o seu telhado exposto aos pássaros, elementos flectidos à vista. O declive que o envolve, abraçado por árvores nuas. O sentimento é um pigmento imóvel. Matéria para arder, volver. Direita sombra artificial, luzes de presença pelo túnel do qual se diz alguns metros. Objectiva paisagem inteira de luz, que inunda o fim em frente. Cidade. Castelo, grua, Panteão, draga, contentor, rebocador. O país mesmo da cidade e da localidade, é piscina artificial em tons de azul esbatido. Quase não é azul, ao lado de uns braços de rio. Tem uma estrutura simples que não o suporta inclinado, por cemitérios impermeáveis. O cacilheiro vesgo a fugir para fora do olho que vê isto. Águas-furtadas. Casario rasteiro, onde morreram drogados no pouco espaço que os separava das paredes e nasceram poucas árvores. Muros de suporte no lugar de tudo danificado. Aqueduto livre das águas. Pilares toscos betonados contra o terreno, incompreendidos agora à vista de todos. Prédio engolido pelo exército silencioso da vegetação. Parque de estacionamento. Pessoas sentadas a olhar des-Norte, um sentido possível pelo carril. Mão no peito, óculos-escuros, palmadas nas costas. Reunião informal, uma manifestação de insensibilidade ordeira. Mão no braço, outro. Menina, menino. Crianças na Linha 7. Semáforo. Parque de manobras. Torres gémeas. Plataforma. A carruagem, visivelmente, em decomposição estanca o movimento do sangue pelas mãos, pelos braços. Escorre do outro lado ao vidro, me suja. Não é meu, desço escadas em carne viva. Vou, já venho. Alguém fala pelos aparelhos. Não ouço. Subo escadas, por baixo das escadas. Escadas rolantes. Não quis vir por aí, chego bem a tempo de um pássaro na berma do suicídio. Se esqueceu eles das asas, ou é aventura programada. Matematicamente se exercita de zeros, pela largura do fosso calçado por um número de carril. Vaso comunicante. Aviso. O chão estremece num lamento dilatante. Óleo quente. Portas se abrem. A respiração aspirada por um barulho de motor. Procissão de malas fechadas. O diálogo que se solta por alguém que se apanha do ar. Uma freira passa do lado dentro ao pássaro, um bando chega. A voz no altifalante, voo raso pela linha de cota zero do cais. Faróis acesos de dia, no rosto da locomotiva. Pulsações digitais, números na cor do sangue. A mala no braço pendurado da mulher. Informação: chávena de café em branco no fundo azul, dois cavalos dois campónios verdes claro em fundo mais escuro de verde. Roldanas metálicas. Quatro pássaros de súbito, o da frente com comida pelo bico. Extremidades de âncora na poça, barulhos de motor em corpo suspenso. Pássaro que se não demora. A senhora que se aproxima do senhor. Indica com o dedo, visível a direcção. Fim. Mão na cintura. O senhor olha para mim. A senhora também, e usa óculos. Aviso sonoro. É uma voz de senhora. Alguém fala pelos aparelhos. Está afastada. Não ouço. Barulho de motor próximo. À pele, avança por mim. Um rapaz com o cabelo rapado nas laterais da cabeça. Mão no bolso. Alguma barba. O sol por cu apertado, tarde de verão, vestido com a timidez de uns calções. Brancos. Barulhos de motor. Pretos. Gestão e manutenção de edifícios. Pest Control. As batidas da hora cardíaca em sopros. Dois pontos. Alguém fala pelos aparelhos, veste um pólo verde. Desaparece íngreme pela comunicação vertical entre pisos. Escadas. Outra criança, gorda, descalça os sapatos. Brancos. Usa chapéu com motivos redondos. Brancos. Alguém indeciso. Não ouço. Duas linhas depois um homem. Ambos braços, terminados em mãos que se adivinham infra-estrutura de um plano cortado. Ao acaso, passar repetidas vezes as unhas pelo rosto antes de este ser tapado pela mortalha transtornada de chapa e fixações. Rasgos, brânquias de respiração. Portas que se abrem. Uma conversa, um aviso sonoro. Um homem prostrado na aresta de um muro, que o protege da comunicação. Outra, vertical. Escadas. Olhos cravados – braille de solas – no chão de pássaros. Desaparece o aviso sonoro. A máquina desaparece. O barulho de motor desaparece. Silêncio que não existe. De um homem e mulher. Tarde é recente, duas setas obrigam o número a ficar quieto na posição dezasseis vírgula vinte metros. O eme é no fim. Casas decimais. O drogado estanca a estátua fendida do corpo pelo início das escadas. Comunicação vertical. Olha a via rápida do outro lado da fachada envidraçada, agarrado a um copo de papel fumegante. Ouço-lhe os grãos. Usa um casaco preso pela cintura, calça ténis. Brancos. Uma figura a tempo de um pássaro simultâneo a outro aviso sonoro, a uma máquina, a um barulho de motor. Transforma-se a paisagem, passam os veículos desta hora pela estrada em frente. A hora, mesma. Eu mesmo só já aqui, para a contar da esquerda para a direita. Rectângulos pontuais no revestimento da superfície construída. Hortas pobres de gémeos, passagem ínfima de esqueletos. Bainhas de cana, barreiras de insonorização que separam o barulho do motor – um mundo – das vozes da rádio que se transmite, sonâmbula dispersão, pelos homens em viaturas. Miniaturas de braço ao peito em gesso, com percursos a cumprir. Neste dia a uma hora. Moradas horrendas, mandadas construir à distância de um fio de telefone enrolado se sabe lá quantas voltas num pescoço em si mesmo transfronteiriço, entre o peito habitado pela dor e os olhos que não olham. Flores inomináveis às cores, passagens de um homem só. Picadeiro. SOS. Gabiões preenchidos com o lastro de profundidade límpida de um curso ou reserva de água. Um avião se alastra pelo sossegado instante de nuvens pictóricas, irreais, copiadas do céu artificial de um artista inexpressivo. Se leva o todo consigo, setas na mesma direcção do mistério. Coberturas inclinadamente industriais, com o passado degradado em cargas de pátina escorregadia e restos da refeição dos pássaros que se não contam. Postos de transformação. Linhas de alta tensão. Rotundas de pele. Estrela de inertes. Carros-bomba. Painéis solares. Juncos afastados do seu leito de cheia, composições concorrentes de linhas distintas. Urbano sentido suburbano, visto de outro ponto. Um metro, se tanto. Manilhas pelo terreno abandonado à boca do túnel. Pontos plantados de luz, afastados à mesma distância pelo alçado onde se fixam. O rio pela esquerda. Padrão de velas que se descobre na margem oposta. O barco e a ponte no cruzamento de pontos distintos em altimetria, salvo seja. O hospital das doenças tropicais, à distância de um braço mordido por um cão estrangeiro.  Águas estagnadas. A entrada curva na cidade de lado, alfazema circunscrita à casa do guarda da estação do meio, onde as chuvas não param. Largos pingos de gente tempestuosa, outras coberturas, invertidas, compactadas por camadas férteis de veias. Vida de que se depende gota a gota, asas cerâmicas no papel amarrotado de um rosto, de quem o vê por óculos. Obliteradores dos dedos ou a eles relativos, contam-se escombros implantados no final de um ponto. De embarque. A parte sobrante, outro segundo. Um tempo tolerado pelo estômago, refeição como as outras, esquecidas velocidades pela via do tracto tracejado, espaço sim espaço não pelos dez pássaros. Não contam nada, os pássaros, menos a um título.

O interruptor silencioso

Acende e apaga. Apaga. Se toca. Sem qualquer ruído. Um rosto ligado com a gaze da loucura. Plano aumentado. O olhar se aguenta, eléctrico – indo, vindo, desavindo, à extrema do lugar máximo permitido pela infra-estrutura do corpo. Se apaga o ruído. Apaga.   

Uma forte dentada, na única bóia de salvação à vista, põe à mostra uma primeira espessura de borracha negra, uma teia de corda branca ainda à mão da fúria, outra espessura de borracha negra, acabando, outra teia menina-do-olho intocada pela lâmina da acção. Acende e apaga. Um qualquer se acende, se se toca. Pedra circular, onde o buraco da mó é esvaziado do sentido motor, empalada até ao limite da escuridão. Sem fim, se toca. Acende e apaga. Apaga.    

Um pedaço de chapa fora de si, recortado sobre a noite, iluminando-a com a ferrugem dos seus tempos mortos. Uma família de aborígenes, um olhar que não aguento, de quem me não lembro digo para mim; fotografia datada no verso, pela mesma mão que os afasta para lá da memória; seus nomes e o meu são mesmos daquilo que desconheço de vista. Acende e apaga. Sem se tocar, ainda assim é um ruído que se acende. Apaga.  

Datas várias, dias seguidos, uns atrás dos outros riscados a lápis, uma conversa ferida aberta sobre a pele escura das palavras. Estou assim, de plantão ao que fica de pé por dizer. Acende e apaga. Apaga.  Os motores coração de tudo a funcionar à mostra de todos. Na ponta da língua, um arrazoado de sentidos disformes, multiformes, múltiplos de zero. Todos os instrumentos de corda, banidos neste dia de calendário. Se tocam. Rápido, uma vez e só. Se apagam. Na parede de material dúctil, se gravam a punho datas de nascimento das coisas já esquecidas, mortas e enterradas, de volta à superfície deste mundo faz-de-conta. O branco tem todas as cores, e nenhuma. No final de qualquer número na parede escrevo INSTÁVEL.  

De encontro à parede INSTÁVEL. Esticar o cordel à primeira fiada, de propósito desviar um nada à linearidade, a puxar ao sentimento do que se traça de INSTÁVEL. Sou de parte INSTÁVEL. Se toca. E sabe. Apaga. Acende e apaga.  

A tinta que há-de cobrir a superfície construída, toma a vida própria do gesto, se manifestando em curvas impróprias para a Grande Velocidade do Verbo. Nunca se tocando. Agora. Toca. Acende e apaga. Apaga.  

Rasga-se, na alvenaria da parede imagética, um vão, sem pressa; se abre aí um céu de poucas nuvens, marcado pela pauta das linhas de Alta Tensão.    

A serpente é avessa às esquinas; toma o lugar do morto às minhas costas, segurando, levando à boca, a máscara desfigurada de expressões minhas. Por cada escama que larga, é uma divisão que se ilumina de sentido. E tudo o que foi dito lá para trás, SE APAGA POR SI. Pois. A loucura é corpo que tem luz própria.     

Chego sempre depois da hora da visita. Depois. Alguma conversa com o porteiro. Conversa. De malucos. Estamos fartos, eu e ele, de manter sempre aquela mesma conversa. Atrasado. Diz-me «ENTRA» e «ALGUÉM QUE TE CARREGUE, NÃO EU, SEU POBRE DIABO». Não se importa e não quer saber, apenas pede que estacione o automóvel lá para os fundos, fora da vista de todos. Para quê tudo isto se não me demoro? Junto ali ao muro, empoleirado numa árvore, está meu pai, se segurando numa só mão a outra mão agarrando um saco de plástico, apanhando fruta da época que bom tempo aqui fora o permite. Sim. O enfermeiro deixa. Só por hoje. Hoje. É dia de vir aqui, visitar meu pai no manicómio.   

Luís Chacho