É amanhã
/O cartaz é de João Alves Ferreira
«Por intermédio das palavras que flutuam à nossa volta, alcançamos o pensamento»
Friedrich Nietzsche
O cartaz é de João Alves Ferreira
La mujer de la vela de cera
carda collares en la tormenta.
La mujer de la vela negra,
la del taller del altozano,
mira triste cuando pasa
el tiempo en paño dorado.
La mujer de la vela de cera
es rubia en la tiniebla,
levanta metro del suelo
pero es toda raíz en la tierra,
brilla en silencios opacos
y gime cuando navega.
La mujer de la vela negra
hace infiel a quien se acerca
y sólo carda collares,
collares en la tormenta.
(Publicado en Mediterráneas, Cáceres, Letras Cascabeleras, 2014.)
Mário Palma Jordão
Idos Tempos de uma Puta
Novela
Enfermaria 6, Lisboa, abril de 2014, 88 pp.
9,5€
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“Uma jarra com flores. Pensei em ti durante todo o dia. Um arranjo floral delicado e feminino. Ela não se costumava a aventurar pelo escritório. Aquele era o espaço dele. Limitava-se a arranjar as flores numa ou noutra jarra que mudava daqui para ali. Ele nunca sabia os nomes das flores. Não ligava a isso. Ou ficava bonito ou ficava piroso, pronto. Era com o seu irmão, quando se encontravam ao fim-de-semana, que ela se entretinha a falar de flores e desenhinhos e manicura. Também ela nada sabia, nada ligava às coisas de que ele mais gostava. Ele não sabia distinguir um lírio de uma hortênsia; ela, por seu turno, não sabia distinguir Mozart de Chopin. O fosso entre ambos era imenso e parecia estar em expansão acelerada. Dantes, no meio, estava o amor. E agora? era a pergunta que fazia a si próprio, olhando desfocadamente o futuro.”
Escrever, após o horror,
talvez mantenha um homem vivo –
mas qual o poema das noites brancas
entrevistas pelas cortinas da sala?
Diante da janela, o perfil de uma palmeira
em pétrea imobilidade, uma criança chora,
descerro a cortina, pressinto o luar
para lá do prédio defronte, no gramado
a relva judiada, a persistência dos grilos,
a sutil, a misteriosa incorporação
de tudo a um cristal já trincado.
Tenho a ternura. Mantenho-a.
Sou o mesmo das garapas na praça.
O mesmo que não recusa esmolas.
O mesmo das buscas dos gatos da avó
pelos telhados da casa eterna,
pisando com cuidado, sentindo ranger
a telha fria sobre os meus pés
no instante em que alguém lá embaixo morre.
O mesmo que temia a porta fechada
no fundo de um corredor catacumba
(a mãe alquebrada e eu Pietá
de um poema desesperado, caminhando por entre
miasmas de cigarros e culpas irremíveis).
O mesmo dos poemas que floresciam
ainda quando não havia um tema,
ainda quando sequer existiam poemas.
O mesmo. Mas até quando
ou ainda no esquife serei o de agora?
Carrego a ternura como um vaso de flores
trazido dos lugares da infância
(a terra apodrecida, as raízes mal cheirosas).
Digo a ternura com um hálito de palavras mortas
mas não importa – tenho-a aqui,
sinto-a embotando os meus olhos com a visão
de uma centena de negros acorrentados,
zune-me aos ouvidos como um festim
de vidas destroçadas; demônio
dos silêncios pacientes e furiosos;
aneurisma que me sangra o nariz e os versos;
gangrena que me amputa a mão esquerda
(também sou gauche, mas sem anjos tortos
a me anunciar um fado diferente daquele
que cai sobre tantos irmãos destros):
pesa-me, enfim, como se fosse cansaço o poema revela-se cascalho
do caminho íngreme, os passos somam-se
aos ecos da tarde, prolongados cantos de pássaros
roucos, há terrenos baldios
e mesmo casas desabitadas, à espera
de um homem e seu método.
Pálido poema das noites brancas
apenas entrevistas por rendas rasgadas:
és tão lívido, faltam-te riquezas
mas o que sei? Há quem fale do sol:
a mim, parece mais a moeda de centavos
esquecidas nos bolsos de alguma calça:
paga-me uma garapa nas tardes de sábado
ou é a esmola que oferto a um esfomeado
com a ridícula certeza de ser bom.
Livros, filmes, ideias.