Reclames

1.

vende-se
uma preta
muito moça com cria
sabendo lavar perfeitamente
e bem desembaraçada para
o serviço doméstico
é muito sadia
e o motivo da venda
é não querer servir mais
a seus antigos senhores

 

2.

vende-se
uma mulata
de 38 anos
com um filho
de 3 anos
de cor clara e
compra-se
uma negrinha
de 10 a 12 anos

 

3.

vende-se
uma família de escravos
ponha um escravo a trabalhar por você
temos uma família completa
o caminhão, a pick-up e a veraneio
essa família de escravos
é forte e resistente
em economia
nem sem fala
você só paga a manutenção
de seu escravo
isto é, gasolina e óleo
se ele reclamar alguma coisa
leva-o imediatamente à
assistência técnica
que dá logo um jeito nele
rapidamente ele volta a trabalhar
de graça pra você
atendemos diariamente
até 20 horas
sábados
até 17 horas
e inclusive
aos domingos
até 13 horas

 

4.

casal evangélico
precisa adotar
uma menina
de 12 a 18 anos
para cuidar de um bebê
de 1 ano
que possa morar
e estudar
ele empresário
ela também empresária
apresentar-se com
os pais ou responsáveis

 

5.

contratamos
trabalhador rural
carteira assinada
para receber salário
ou
remuneração de qualquer espécie


Torpor, O Cheiro dos cuscos nas bombachas, A caixa

TORPOR

Eu não queria ouvir o que ela tinha para falar. Como num transe, eu apenas via o mexer dos lábios murchos da velha, sua dentadura frouxa, e o bailar de sua língua saburrosa. Tudo sem som. Eu não escutava nadica de nada. O buço da velha lhe sombreava o lábio, e se misturava com os pelos que lhe saíam pelas ventas. Vez em quando algum perdigoto da bruaca me atingia o rosto. Eu permanecia imóvel. Eu não queria ouvir nada. Nadica de nada. No pátio um dos piás chutou a pelota, que entrou pela porta da cozinha, bateu no pé do fogão a lenha, depois no pé da mesa, espantou o gato que passava preguiçoso, veio girando, girando, girando, até que esbarrou em mim, me tirando do torpor. Lá fora começava um chuvisqueiro finíssimo, parecido com neve. E eu que não queria ouvir o que ela tinha para falar escutei a última frase do falatório da velha espanhola: O velho está morto.


O CHEIRO DOS CUSCOS NAS BOMBACHAS

Enquanto todos brincavam de campinhos, e de ser Batista, Zico, Sócrates, Cerezo, De León ou Falcão, eu preferia ficar com a cuscada. Eu queria ser ninguém. Me perder entre os guaipecas vadios e pronto. E só.

Eu abraçava os cuscos e sentia o coraçãozinho lá deles batendo junto ao meu.

Depois os gritos cessavam. Paravam os chutes. O futebol acabava. Os guris iam embora, cada um para sua casa, levando lembranças de dribles, defesas e gols lá deles… E os vira-latas também se iam, seguiam seu rumo.

Eu, a caminho do rancho, levava nada. Só o cheiro dos cuscos nas bombachas.


A CAIXA

 Ele chegou faceiro, depositou a caixa sobre a mesa e chamou toda a família para que víssemos o que havia conseguido no centro da cidade, na saída do trabalho. Foi uma pechincha, disse. Falou que se tratava de um animalzinho frágil, que faria muito bem a todos. Disse que o bichinho comia pouco, e se chamava Paz. Pediu para que todos se aproximassem. Disse que abriria a caixa. O guri menor arregalou bem os olhos e abraçou a perna do velho. Quando o pai abriu a caixa o bicho voou, e desapareceu por um vão da cumeeira. Mal tivemos tempo de ver a cor do animal. A Paz, tão desejada pelo velho, foi embora de nossa casa, e ainda cagou sobre nossas cabeças. O pai nunca mais foi o mesmo.